No mesmo dia em que a República foi comemorada à porta fechada e o Presidente da República hasteou a bandeira portuguesa ao contrário, um líder partidário subiu ao palco para mostrar que há mesmo quem veja o país do avesso.
Dois dias depois de o Governo anunciar o maior aumento dos impostos da história da democracia, a preocupação de António José Seguro é o número de deputados. Não os impostos; não a espiral recessiva em que o Governo está a lançar o país, não o desemprego descontrolado, mas o número de deputados.
Nunca, até hoje, o Partido Socialista tinha colocado a redução do número de deputados no centro das suas propostas para uma eventual reforma do sistema eleitoral. O momento escolhido para fazer tábua rasa das posições do seu partido não é inocente.
Quando vivemos no epicentro de uma recessão económica e de um drama social, de uma crise que tem acicatado a desconfiança perante a política e o discurso anti-partidos, o pior que pode acontecer é responder à pressão populista com mais populismo.
O problema do país, vale a pena dizê-lo, não é o número dos deputados. Quando muito, é o problema dos maiores partidos que querem diminuir a pluralidade de opiniões com um truque de secretaria.
Diminuir a representatividade política e a diferença de opinião não melhorará a imagem que os cidadãos fazem do trabalho parlamentar, mas apenas e só expulsar os representantes dos partidos mais pequenos.
Falemos claro: nas últimas eleições, cada deputado/a do BE foi eleito por 36 mil votos, e cada deputado do PS e do PSD por 21 mil votos. O líder do PS propõe então menos votos para eleger os seus deputados e muitos mais para eleger deputados do BE ou dos demais partidos com menos expressão parlamentar.
Falemos claro: o número de deputados em Portugal está em linha, ou até abaixo da média, com o de países europeus com idêntico número de habitantes.
Uma reforma eleitoral com o único propósito de diminuir o número de deputados não empobrece apenas a pluralidade de opinião, mas a representatividade geográfica. O que é que julgam que acontecerá a distritos como Portalegre, Beja, Viseu ou Bragança se não ver ainda mais esmifrado o número dos seus representantes?
Mas a perversidade não se fica pela representatividade política ou geográfica. Em círculos únicos, ou de 2 lugares, que se tornarão a norma, é o próprio lugar das mulheres que está em causa. A reforma proposta por António José Seguro é um estratagema para contornar a lei da paridade que o próprio partido socialista, juntamente com o Bloco, tudo fez para aprovar.
O pior serviço que podemos fazer à democracia, já acossada pelo discurso da inevitabilidade da troika e dos credores, é naturalizar institucionalmente o discurso populista contra os partidos. Ceder perante o populismo só o legitima e dá mais alento na sua cavalgada. A história aconselha-vos a máxima cautela.
É uma espécie de sina nacional. Pegar num problema que não existe e inventar uma solução que beneficie os partidos do bloco central. Não nos deixemos iludir, a crise da política não tem nada a ver com o número de deputados, mas com a crise da palavra e com as promessas eleitorais que são sistematicamente atiradas para o lixo.
O que mina a confiança dos cidadãos na política são campanhas como as de Passos Coelho, que garantia não aumentar os impostos, nem retirar o subsídio de natal.
A resposta do PSD a esta proposta ficará para os anais da história. Estamos perante uma e cito, "precipitação populista e demagógica", esclareceu o deputado Luís Menezes, antes de nos lembrar que se trata de uma velha bandeira do PSD.
Confusos? Nada disso. O problema do PSD não é tanto o populismo, mas o temor que este se estenda a outras bancadas. O populismo e demagogia, no entender dos dirigentes laranja, pertencem ao PSD por direito natural. Convenhamos, à luz do que tem sido este ano e meio de governação, não podemos senão dar-lhes razão neste ponto. A demagogia é mesmo a vossa arma.
O que corrói e alimenta o discurso contra os partidos é ver o ziguezague permanente em que, para dar um exemplo, se especializou a atual coligação no Governo. Alimentar esse discurso com uma manobra de diversão, que curiosamente apenas beneficia o Governo, é o pior serviço que o líder do PS podia fazer à democracia e ao país.
Declaração política na Assembleia da República em 11 de outubro de 2012