Tavneet Suri e Nidhi Parekl, cientistas do MIT, uma das mais importantes universidades norte-americanas, publicaram recentemente um estudo sobre a experiência de pagamento de um “rendimento básico universal” (RBU) no Quénia. O projeto inclui 21 mil pessoas por 12 anos e é o mais extenso realizado até hoje, estando ainda em processamento. Essas pessoas, que vivem em duas regiões empobrecidas, receberam o tal RBU, concebido, no dizer das autoras, como “uma transferência monetária incondicional que seja suficientemente avultada para satisfazer as necessidades básicas das pessoas e que seja distribuída a todos os membros de uma dada comunidade”. O pagamento, no entanto, não é universal nem naquelas regiões (só abrange maiores de 18 anos, num país em que metade da população tem menos de 20 anos), tendo assumido três formas: um pagamento único (aproximadamente 500 euros), ou 0,75 euros por dia durante dois anos, ou o mesmo valor por 12 anos (ou nada, no grupo de controlo). Não é explicado como se fazem estas escolhas. Os resultados provisórios foram apurados por entrevistas telefónicas.
As autoras elogiam os efeitos sociais: houve menos interação humana durante a pandemia e, assim, estas pessoas teriam tido menos casos de contaminação covid; não se comprovou que houvesse maior consumo de álcool ou outros, que são frequentemente apresentados, com alguma sobranceria, como o perigo destes programas. No entanto, apresentam uma conclusão problemática: quem recebeu este dinheiro ficou com menores rendimentos. Segundo elas, “este decréscimo de rendimento dos beneficiários do RBU durante a pandemia não foi um fracasso do RBU. O subsídio é concebido para manter um nível de vida mínimo e, ao proporcionar uma forma de proteção, pode encorajar os seus destinatários a assumirem mais riscos”, ou seja, numa economia com pouco emprego formal, as verbas foram utilizadas para estratégias comerciais ou outras, e muitas dessas pessoas fracassaram. O empreendedorismo criou as suas vítimas e é surpreendente a condescendência com que este facto é tratado pelas autoras, como se o objetivo da medida não fosse garantir um rendimento certo para “satisfazer as necessidades básicas”, no que fracassou. As pessoas empobreceram, dizem-nos Suri e Parekl, por terem usado o dinheiro no que está ao seu alcance, comprar e vender mercadorias. Fizeram o que sabiam e ficaram a perder.
Seria imprudente generalizar este resultado. Nunca houve experiências suficientemente amplas para se poderem tirar conclusões sobre comportamentos sociais diferenciados. Só pequenos grupos receberam verbas deste tipo (o Quénia tem 54 milhões de habitantes, neste caso foram envolvidos 0,04%; na experiência correspondente na Índia, em 2013, foram incluídos 0,004%); quem defende a ideia tem-se limitado a estas amostras ou ao cálculo de um donativo reduzido e direcionado para os mais necessitados (no caso indiano, o pagamento a seis mil pessoas foi o equivalente a 20 euros por mês, e hoje a proposta é de 1200 rupias, ou 14 euros), e nunca algum Estado teve que pagar a verba correspondente à universalidade deste pagamento (se o Quénia pagasse aquela verba a toda a população, gastava um quarto do seu orçamento total). O que, em qualquer caso, fica aqui evidente é que a medida não procura criar emprego e, portanto, rendimentos garantidos, mas antes oferece um donativo que, como aqui se verificou, induziu a “mais riscos”. Que defensoras desta filosofia apresentem este empobrecimento como um sucesso só demonstra do que é capaz a ideologia que nega os factos.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 2 de setembro de 2022