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O pouco que se sabe sobre a guerra na Ucrânia

No entanto, há duas certezas. A primeira é que as batalhas se arrastam e que faltam tropas a ambos os lados. A decisão recente de Moscovo de elevar dos 40 para os 65 anos a idade máxima de recrutamento militar comprova a dificuldade. A segunda certeza é que este é o paraíso da indústria das armas.

Se ainda fosse preciso demonstrar a importância do jornalismo independente, temos aqui uma confirmação evidente: conhece-se pouco sobre a realidade da guerra desencadeada pela invasão da Ucrânia, sobretudo pelo facto de, do lado russo, só estarem jornalistas chineses e turcos, e quase tudo o que sabemos ser visto do outro lado e, ainda assim, sob as restrições da censura militar. Por isso, não temos informação completa e estamos presos entre as estratégias comunicacionais que fazem parte do conflito.

Diz “The Economist” que a Ucrânia recebeu 7000 mísseis Javelin, antitanque, o que corresponde à produção norte-americana de três anos

O “The Economist”, que não é suspeito de russofilia, faz esta semana a seguinte descrição: “As forças ucranianas, superadas em armamento e até agora amplamente ultrapassadas em artilharia, têm sido atingidas. O governo afirma que sofrem até 200 baixas por dia. A 15 de junho, um general ucraniano disse que tinham perdido 1500 veículos, 400 tanques e 700 sistemas de artilharia, muito mais do que anteriormente se pensava. Muitas das unidades ucranianas com mais experiência e treino foram destruídas, sendo substituídas por reservistas mais verdes. A 19 de junho, a inteligência militar britânica informou que tem havido deserções entre as tropas ucranianas”. Do outro lado, as baixas russas também não são conhecidas com rigor, presumindo-se que sejam elevadas. Ora, mesmo que não se tivesse uma informação completa de um lado ou de outro, o trabalho de jornalistas limitaria a capacidade de propaganda e permitiria conhecer o que se passa nalgumas frentes. Não temos nada disso. E não se saber serve o propósito da guerra infinita.

No entanto, há duas certezas. A primeira é que as batalhas se arrastam e que faltam tropas a ambos os lados. A decisão recente de Moscovo de elevar dos 40 para os 65 anos a idade máxima de recrutamento militar comprova a dificuldade, sendo notado que, por razões políticas ligadas à perceção popular sobre a guerra, Putin se tem recusado a decretar a conscrição geral e, assim, não consegue renovar a frente militar, mesmo oferecendo um salário que é o triplo da mediana nacional. Pela mesma razão, contrata soldados nas zonas mais pobres, poupando os grandes centros urbanos, onde o regresso dos caixões é mais notado. Mas a Rússia tem stocks abundantes de velho armamento: a mesma revista cita um oficial norte-americano que garante que este ritmo de bombardeamentos esgotaria o stock do seu país em duas semanas. Mesmo que seja um exagero, percebe-se que não faltarão munições. A segunda certeza é que este é o paraíso da indústria das armas. Diz “The Economist” que a Ucrânia recebeu 7000 mísseis Javelin, antitanque, o que corresponde à produção norte-americana de três anos, pelo que se vai acelerar a corrida, que ainda vai no adro. E, desde o primeiro dia, falta o jornalismo independente que nos conte a guerra longa.

Artigo publicado no jornal Expresso a 8 de julho de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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