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O Pingo Doce e a luta de classes

O sr. Alexandre Soares dos Santos deu uma boa demonstração de consciência de classe – da sua classe, a dos capitalistas.

A promoção dos supermercados do grupo Jerónimo Martins neste 1º de Maio foi uma provocação motivada por interesses de classe. Um dos maiores grupos capitalistas do país não se ralou nada de perder algum dinheiro (para eles não é perda, é investimento) para destruir uma conquista dos trabalhadores: o direito de não trabalharem, e de receberem o dia, no feriado do 1º de Maio, o dia internacional dos trabalhadores.

Para executar esse ato de agressão, usaram uma arma que não é nova: aproveitaram-se das dificuldades sofridas por setores da população para virá-los contra os direitos dos seus próprios funcionários e contra aqueles que os defendiam, nomeadamente os sindicatos e os cidadãos que tinham apelado ao boicote às compras nesse dia.

A manobra tem a marca dos métodos de classe patronal e é usada desde os primórdios do capitalismo selvagem. Nos tempos em que o direito de greve não estava minimamente regulamentado, os patrões recrutavam batalhões de fura-greves entre os desempregados. Desesperados, sem meios de subsistência, estes trabalhadores muitas vezes prestavam-se à quebra de solidariedade com os grevistas, em troca de uns trocos pagos por aquele dia de trabalho a furar a greve. Os grevistas desprezavam-nos; mas a melhor resolução deste dilema, a longo prazo, foi regulamentar a lei da greve e proibir os fura-greves. A proibição dos fura-greves é uma conquista dos trabalhadores, conseguida à custa de muitos piquetes de greve, de muitos confrontos com a polícia e os seguranças patronais, de muitas recolhas de fundo de greve. Os capitalistas acabaram por ser forçados a engolir o direito de greve, mas não perderão nunca uma oportunidade desafiá-lo e de pô-lo em causa. A isto, por muito que haja quem considere este termo ultrapassado, chama-se luta de classes.

A promoção do Pingo Doce seguiu exatamente o mesmo método: quis garantir que todos os seus funcionários iam trabalhar no feriado; ao mesmo tempo, derrotar todos os que tinham apelado ao boicote às compras nas suas lojas naquele dia. Para isso, aproveitou-se das dificuldades que atravessam largas camadas da população trabalhadora, e até de pequenos empresários, que invadiram as suas lojas para comprar, comprar, comprar. Um desconto de 50% não é desprezível para quem tem um orçamento apertado; não é desprezível para ninguém.

O sr. Alexandre Soares dos Santos deu uma boa demonstração de consciência de classe – da sua classe, a dos capitalistas. Mostrou que esta classe está perfeitamente sintonizada com o governo (onde está a proibição do evidente dumping?). E que capitalistas e governo estão empenhados em destruir todas os direitos conquistados, na sua maioria, com o 25 de Abril. Sejam eles o direito a gozar os feriados, a ter subsídio de desemprego, a ter contratos trabalho, e um longo etc..

Alguns comentadores maravilham-se com a “brilhante jogada de marketing”. Seria risível, se não fosse triste. Foi de tal maneira evidente a manobra dos donos do Pingo Doce, que chega a ser confrangedor ouvir estas “opiniões” e outros dislates sobre a “sociedade de consumo”. Quem foi ao Pingo Doce neste 1º de Maio não comprou Ipads, telemóveis, plasmas, Mercedes, até porque não estavam à venda. Comprou comida.

Quanto ao resultado do marketing, desconfio que foi negativo. Mas estes senhores não se preocupam muito com isso. O marketing da sua fuga aos impostos para a Holanda também foi negativo. Mas sempre haverá a Fundação Francisco Manuel dos Santos para explicar “cientificamente” que o grupo que a financia é muito correto, dinâmico e moderno – e que está ao serviço de uma sociedade de “concertação”, onde “não há lugar para luta de classes” – esse termo “fora de moda”. Pois.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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