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O obreiro da tábua rasa

Na Assembleia Regional fomos o único partido que apresentou uma anteproposta de lei para alterar a lei do mar. Só depois disso o Governo Regional apresentou a sua anteproposta de lei. Agora, o PS fez tábua rasa do que o parlamento dos Açores tinha decidido.

Começo este texto com uma citação do Presidente do Governo Regional que, ao contrário do que acontece na vasta maioria das vezes, subscrevo na íntegra:

“Se vamos reabrir, na Assembleia da República, a discussão sobre a forma como se conjugam as competências do Estado e da Região nesta matéria, estamos a fazer tábua rasa daquilo que o Governo e esta Assembleia disseram na sua proposta, aprovada por unanimidade” - Vasco Cordeiro.

Vasco Cordeiro fazia estas afirmações em janeiro, criticando o anúncio por parte do PSD de que iria propor a criação de um grupo de trabalho para clarificar as competências do Estado e da Região sobre a gestão do mar dos Açores, no seguimento do envio para a Assembleia da República de uma proposta de lei que que alterou a lei de bases do ordenamento e gestão do espaço marítimo, a chamada lei do mar.

Afinal, quem fez tábua rasa do que o parlamento dos Açores aprovou foi o PS que, em cima da hora da votação, retirou aos Açores o poder de gestão e ordenamento do mar para além das 200 milhas ao apresentar e aprovar sozinho uma alteração inaceitável à proposta inicial. Essa alteração na especialidade foi aprovada em comissão apenas com os votos favoráveis do PS, a abstenção do PSD e os votos contra do Bloco de Esquerda e do PCP.

A versão final da proposta teve por isso a abstenção do Bloco de Esquerda. Não podíamos compactuar com esse recuo face ao que havia sido decidido nos Açores e que constitui uma verdadeira capitulação ao centralismo. Fez-se tábua rasa do que o parlamento dos Açores decidiu. O obreiro dessa razia foi o próprio Partido Socialista, presidido nos Açores por Vasco Cordeiro.

Se criar um grupo de trabalho para clarificar as competências do Estado e da Região sobre a gestão do Mar dos Açores seria fazer tábua rasa do que o parlamento dos Açores decidiu, por maioria de razão alterar a proposta do parlamento dos Açores de modo a abdicar do poder de gestão e ordenamento do mar para além das 200 milhas marítimas foi pior ainda. E tudo isso sob a coordenação do Deputado do PS João Castro, eleito pelo círculo dos Açores.

A capacidade de gestão do mar para além das 200 milhas não é um pormenor. É um aspeto central, tendo em conta o projeto de extensão da plataforma continental e os recursos já identificados na plataforma para além das 200 milhas.

Basta olhar para os mapas já produzidos pela Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental para perceber que muitos dos recursos minerais do fundo marinho estão para além da zona económica exclusiva, por isso para além das 200 milhas marítimas.

Mesmo que a proposta agora aprovada preveja a necessidade de existirem pareceres vinculativos das regiões autónomas, todos percebemos que entre poderes desiguais a parte mais forte terá sempre uma preponderância que se manifestará com intensidade proporcional aos interesses em jogo.

Reconhecendo o passo no sentido certo que a proposta final representa, o Bloco de Esquerda não poderia dar o seu voto favorável a uma versão que abdica de uma grande parte do que os açorianos e açorianas exigem e que o parlamento dos Açores aprovou unanimemente.

Esta foi, desde sempre a posição do Bloco de Esquerda. Na ALRAA fomos o único partido que apresentou uma anteproposta de lei para alterar a lei do mar, perante a inação do PS e do Governo Regional. Só depois disso o Governo Regional apresentou a sua anteproposta de lei. Foram ambas aprovadas, mas por um expediente regimental, foi a proposta do Governo a ser enviada pela Assembleia da República.

Agora, e na reta final de um trabalho de anos, o PS fez tábua rasa do que o parlamento dos Açores tinha decidido.

Sobre o/a autor(a)

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
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