Porque queríamos pôr em pratos limpos o que aconteceu neste sorvedouro de recursos públicos, faz hoje duas semanas que, nesta mesma sala, o Bloco de Esquerda interpelou os partidos que tinham votado favoravelmente a sua proposta de comissão de inquérito ao BPN.
Pedimos, por isso, que se avançasse obrigatoriamente para uma comissão, mas não estávamos à espera que nos respondessem a dobrar. Há duas semanas a maioria de direita não queria nenhuma comissão de inquérito, agora há duas. O que vale é que não há fome que não dê em fartura.
A gigantesca cambalhota do PSD é o dado mais relevante deste súbito e repentino interesse no apuramento do que realmente se passou no BPN.
Há três semanas, o PSD chumbou a proposta do Bloco para constituir uma comissão de inquérito que tinha exatamente o mesmo objeto da que ontem anunciaram. Na altura, disseram, nunca poderiam aceitar uma comissão de inquérito antes da auditoria a conduzir pelo Tribunal de Contas.
Reponho aqui, porque são bem claras a esse propósito, as palavras do deputado Hugo Velosa: “Se o Tribunal de Contas apurar nessa análise que fizer que, efetivamente, há alguma coisa por apurar nesta matéria, mesmo que tenha a ver com este Governo ou com o PSD, nós aprovaremos essa comissão de inquérito”.
As dúvidas do PSD resultaram, três semanas depois, numa correria com os líderes parlamentares do PSD e CDS a tentarem esticar o pescoço para aparecerem primeiro na fotografia do photo-finish.
Duas horas depois de ser claro que vários partidos tinham as assinaturas necessárias para forçar a mesma comissão que o PSD tinha inviabilizado, com a prestimosa abstenção do CDS, e já a maioria de direita tinha o texto para fazer a comissão que antes rejeitara.
A auditoria do Tribunal de Contas, essa, agora já não parece interessar nada ao PSD e ao CDS. Era uma mera desculpa instrumental, como bem se percebe.
Tanta pressa não tem nada a ver com uma vontade acrescida da direita em conhecer o que se passou no BPN, mas em criar ruído e instalar a confusão que permita descredibilizar a comissão de inquérito antes mesmo desta começar.
Não estamos a falar de um assunto menor, mas de um buraco financeiro aonde os cidadãos viram desbaratado mais dinheiro do que aquele que Passos Coelho e Paulo Portas lhes tiraram nos subsídios de férias e de natal.
Não nos iludamos. Com esta cortina de fumo, PSD e CDS apenas pretendem descredibilizar os trabalhos da comissão de inquérito. Vale a pena lembrar que tudo aquilo que sabemos sobre o que se passou no caso de polícia em que se tornou a gestão de Oliveira e Costa e Dias Loureiro se deve ao trabalho, reconhecido por todos, da Comissão Parlamentar de Inquérito à nacionalização do BPN.
Onde antes a direita invocava a necessidade de só se avançar depois da auditoria, agora a referência é a venda do BPN ao BIC. Meros pretextos para quem, como o CDS e PSD, nada mais pretendem do que adiar a comissão para as calendas e evitar o conhecimento público de uma privatização em que o Estado entrega ao BIC mais de 1000 milhões de Euros, para o banco do ex-ministro do PSD, Mira Amaral, comprar o BPN por 40 milhões. Tamanha generosidade tem um nome: um negócio de favor.
O BPN laranja tornou-se no BIC laranja. A história, afinal, repete-se; primeiro como tragédia e depois como farsa.
Com este estratagema da maioria de direita, a disputarem a corrida para ver quem aparece primeiro, PSD e CDS tornaram a discussão sobre o BPN também numa discussão sobre direitos fundamentais consagrados no regimento da Assembleia da República.
Com efeito, num curto espaço de tempo é a segunda vez que os partidos que suportam o Governo colocam em causa o direito potestativo previsto no regimento.
Não estamos a falar de um direito abstruso, mas do respeito democrático pelas oposições. O direito potestativo foi criado para impedir que uma maioria circunstancial de deputados bloqueie a fiscalização política dos atos do governo.
Termino esta declaração com a frase final que o Bloco de Esquerda proferiu nesta mesma sala há duas semanas. “Acomissão de inquérito é uma necessidade inadiável. Estamos certos que ela vai acabar por ter lugar. Os portugueses não compreenderiam que quem pode constituí-la o não fizesse.
É isso mesmo que, três semanas depois, está em causa. Realizar uma comissão que averigue o que se passou, realmente, no BPN. Em tempo útil, acrescente-se.
Declaração política na Assembleia da República a 15 de Março de 2012