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O meu testemunho sobre a Morte

Só quem passa por estas situações é que pode compreender como a doença e a morte é dolorosa.

Nos últimos 4 anos, perdi três parentes muito próximos. Padeceram de diferentes doenças prolongadas, que alteraram toda a sua forma de estar, física, psicológica e emocional. Eram três pessoas com vidas ricas e exemplares. Eram, para mim, e para quem os conhecia, pessoas únicas com grande personalidade. Dois estavam na casa dos 60 anos, e uma nos 80.

Vê-los morrer aos poucos, foi uma das situações mais terríveis da minha vida. Já tinha passado por essa situação com a morte do meu pai, mãe e sogro, há muitos anos atrás. Era mais jovem, estava a trabalhar intensamente e, talvez, não sentisse tão de perto o seu sofrimento. Mas, desta vez, acompanhei estes parentes muito de perto e vi o que é perder a qualidade de vida, devagarinho, muito devagarinho, onde tudo ia acontecendo.

De pessoas independentes e com grande personalidade, vi-os ficarem dependentes, em todos os sentidos, até para satisfazerem as suas necessidades mais básicas. Vi-os ficarem na pele e no osso, sem paladar para saborear os alimentos, sem vontade para disfrutarem das coisas que mais gostavam. Foram-se acabando aos poucos, como uma vela que se acende a apaga ao longo do período de duração.

Foi terrível. Foi doloroso ver tanto sofrimento. Só quem passa por estas situações é que pode compreender como a doença e a morte é dolorosa. Como a morte é sofrimento. Como a morte é degradante para o ser humano. E é difícil não pensar que não queremos passar por tal situação.

E se alguém quiser comprovar ou tirar algumas dúvidas, vão fazer algumas visitas, que eu já não consigo fazer, a alguns lares e alguns andares dos hospitais da nossa Região. Vejam, com os vossos olhos, o que é morrer sem as mínimas condições que um ser humano devia merecer. Vejam, com os vossos olhos, para depois poderem falar e escrever sobre a vida e sobre a morte. Não existem os cuidados paliativos adequados. Não existem médicos/as de acompanhamento permanente. Não existem suficientes enfermeiros/as e outro pessoal de apoio médico. Falta o material mais básico. As refeições são dadas à pressa. Muitas mortes acontecem durante a noite, à frente dos/as que estão na cama ao lado. A morte é feia, e é o nosso destino. Mas toda a gente deve ter o direito de poder passar deste mundo com mais dignidade. MAIS CUIDADOS PALIATIVOS SÃO URGENTES!

Eu desde há muito tempo que defendo o direito a morrer com dignidade. Para além de defender a urgência dos cuidados paliativos, também defendo que, em relação aos que querem, e numa situação terminal possam decidir antecipar devidamente a sua partida. Depois de ter passado pelas situações relatadas, fiquei ainda com a mais firme convicção que, se um dia eu estiver numa situação sem cura, quero ter o direito a partir sem sofrimento.

Para os 115 deputados/as que votaram contra esta minha aspiração, e a de muitos/as outros/as, eu só lhes posso dizer que a luta continua, para que o fim da nossa vida seja visto com respeito pela posição individual, de cada pessoa, e que ninguém é dono/a da vida de ninguém.

Artigo publicado em dnoticias.pt a 5 de junho de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada na Assembleia Municipal do Funchal. Antiga dirigente sindical e deputada regional
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