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O lóbi em grande profundidade

A política do Ministério do Mar quanto à prospeção e exploração de petróleo em Portugal não se distingue, neste momento, da da Galp, e isso é perigoso, incoerente e irresponsável.

Em janeiro de 2017, em Washington, a ministra do Mar dava as boas-vindas ao investimento americano em exploração de petróleo no nosso país. Em Portugal, garantiu a ministra, não há movimentos "contra este tipo de exploração porque estamos a fazer a coisa silenciosamente".

Enquanto Ana Paula Vitorino vendia as costas portuguesas à perfuração em grande profundidade, decorria em Portugal uma consulta pública para a atribuição de um título de utilização privativa do espaço marítimo (TUPEM) para a realização de um furo e prospeção petrolífera em Aljezur para a ENI e a Galp. O furo teve 4 votos a favor e 42 295 contra mas, em janeiro de 2017, o Governo decidiu a favor da atribuição do TUPEM. Os tais inexistentes movimentos de que falava a ministra interpuseram uma providência cautelar. O Governo contestou e perdeu. No dia seguinte, o Ministério do Mar interpôs recurso no tribunal do Loulé, ao lado da Galp e da ENI.

Durante estes anos, em que o Governo se colocou ao lado das petrolíferas contra os movimentos sociais, as populações, e todas as autarquias implicadas nestes projetos, a ministra do Mar foi assessorada por Ruben Eiras, gestor da Galp Energia.

Eiras era assessor de imprensa de Manuel Pinho no Ministério da Economia quando, em 2006, transitou para gestor da Galp Energia. Nestes anos fez várias comunicações públicas, em que defendeu a estratégia da Galp de promoção da prospeção e exploração de gás natural e petróleo em Portugal. Em maio de 2016 o Ministério do Mar nomeou este "trabalhador da Galp Energia" para assessor. Os sites públicos com o seu currículo dão a entender que acumulou este cargo com o seu trabalho na Galp, mas o ministério avançou a um jornal que Eiras interrompeu funções na Galp em dezembro de 2015. Em qualquer dos casos, em fevereiro de 2018, Ruben Eiras foi nomeado diretor-geral das Políticas do Mar em regime de substituição, tendo-se mantido no cargo desde então, apesar da substituição ter cessado em maio.

Há neste caso questões jurídicas a esclarecer, nomeadamente quanto a potenciais incompatibilidades e à permanência irregular no cargo em regime de substituição. Mas uma coisa é certa, a política do Ministério do Mar quanto à prospeção e exploração de petróleo em Portugal não se distingue, neste momento, da da Galp, e isso é perigoso, incoerente e irresponsável.

É perigoso porque, mais uma vez, assistimos à dominação das políticas públicas pelos interesses privados. É incoerente porque contradiz a intenção de combater as alterações climáticas. É irresponsável porque os contratos são financeiramente ruinosos para o Estado.

Artigo publicado no Jornal de Notícias a 18 de setembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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