Está aqui

O ilusionista

Cavaco Silva é um ilusionista. A maior das ilusões do nosso tempo é justamente essa que ele apoia: a de que pela austeridade de quem trabalha havemos de reencontrar o acerto da nossa vida colectiva.

Cavaco Silva disse ao país que “acabou o tempo das ilusões”. E que agora é o tempo da “austeridade digna”.

Entendamo-nos: Cavaco não descreve, prescreve. Prescreve o corte de direitos e de serviços necessários à dignidade de todos/as porque, na sua visão das coisas, a possibilidade de termos em Portugal um Estado amigo dos direitos dos mais pobres é uma ilusão. E, coerentemente, prescreve o fim desse Estado e a sua substituição pelo assistencialismo continuado ou feito de distribuição pontual de sobras de restaurantes e de farmácias. O que Cavaco não prescreve, antes proscreve, é a coragem de pensar as coisas ao contrário e actuar em conformidade: pôr à frente os direitos e ir depois à procura dos meios – e sabemos todos/as onde eles estão – para garantir a sua efectividade continuada para todas as pessoas.

Cavaco Silva é um ilusionista. A maior das ilusões do nosso tempo é justamente essa que ele apoia: a de que pela austeridade de quem trabalha havemos de reencontrar o acerto da nossa vida colectiva. Mas os números não dão margem para ilusões – a recessão alimentada pela austeridade é sempre revista em alta. E os prescritores da nossa salvação pelo fogo purificador não cessam de alimentar a ilusão de que responder à recessão com austeridade nos vai levar ao fim da recessão. Não, não vai. O truque de ilusionismo feito por Cavaco no seu discurso do 5 de Outubro foi o de casar austeridade troikista com crescimento e emprego. O nome do truque é “austeridade digna”. Só vai em truques quem quer. Quem está atento sabe que evidentemente só há “austeridade digna” quando ela beneficia o reforço dos direitos dos/as que têm menos. Esta austeridade que nos é receitada é o avesso da dignidade.

Cavaco diz ao país que temos duas escolhas: ou a troika ou as ilusões. A esquerda responde-lhe que a troika é a ilusão. E que se nos quer resignados, tire daí o sentido. É pura ilusão.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
Comentários (1)