O hemisfério que Marcelo adia

porMiguel Guedes

21 de março 2023 - 13:47
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Podendo guardar silêncio sobre a reacção da Direita, seu hemisfério, ao convite dirigido ao presidente do Brasil, Lula da Silva, para discursar na cerimónia comemorativa do 25 de Abril no Parlamento, o presidente da República assume, uma vez mais, a farpa e o alvo.

Até porque nunca navegaram à vista, nem um pingo de compaixão, nem auspícios de fim de romance. No primeiro ano de maioria absoluta de António Costa, a antipatia e, sobretudo, a impressão digital de descrédito que Marcelo Rebelo de Sousa faz questão de transmitir sobre o actual hemisfério político a que pertence, com Luís Montenegro à cabeça, é o grande denominador comum das relações entre o presidente da República e a oposição, varrimento horizontal à direita. Talvez porque sejam gravosas as histórias passadas, seja porque não acredita na reabilitação do-que-não-pega-de-estaca, Marcelo não é mero coleccionador de casos para contar. Não perde uma semana sem deixar claro que não fará cair o Governo enquanto não se trocarem as peças na liderança do PSD. Mais do que à espera de um Messias, Marcelo segue os seus Passos. É da sua profunda convicção que, mal por mal, fica como está. Adiamento.

Livre como nunca, sem um processo de reeleição à vista, o papel de Marcelo é o de um conciliador que prefere escolher a data do terramoto. A forma como não perde uma oportunidade para elevar e promover o futuro de Passos Coelho, processo indesmentível, é a qualificação de um juízo de valor sobre o que existe e sobre o que antecipa.

Podendo guardar silêncio sobre a reacção da Direita, seu hemisfério, ao convite dirigido ao presidente do Brasil, Lula da Silva, para discursar na cerimónia comemorativa do 25 de Abril no Parlamento, o presidente da República assume, uma vez mais, a farpa e o alvo: o PSD, único partido da Direita parlamentar fundador da democracia, preferiu arregimentar a liberdade, cedendo-a à táctica da espuma dos dias, alinhando com aqueles que ainda hoje não aceitam o processo de descolonização como elemento fundador, marco de liberdade, logo essência, do que somos enquanto país.

Reforçando que é oriundo desse hemisfério, esse que agora descobre ter "dificuldade em compreender a plenitude do 25 de Abril, a ligação do 25 de Abril à descolonização e à ligação do 25 de Abril àqueles que são os legítimos representantes dos povos", dificilmente encontramos tão forte posicionamento quanto a matérias de liberdade na sua ala. Marcelo mostrou que está na origem do convite a Lula. Eis uma vírgula presidencial na construção da "História neo-oficial", como lhe chama. E bem, mais um capítulo no seu hemisfério.

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 17 de março de 2023

Miguel Guedes
Sobre o/a autor(a)

Miguel Guedes

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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