O futuro do emprego: a tecnologia vai acabar com o trabalho?

porFrancisco Louçã

22 de outubro 2015 - 9:56
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A identificação do problema foi feita por muitos: a conjugação de desemprego estrutural com emigração crescente e com transferência de rendimentos do trabalho para o capital é um problema democrático fundamental.

Mas, como muitos leitores têm sugerido a discussão do tema, neste post discuto a mesma questão do ponto de vista do futuro: o que é que vai acontecer ao emprego com o desenvolvimento de novas aplicações tecnológicas? Há soluções ou vamos piorar? Não há uma resposta simples a esta questão. Em estudos recentes, 47% dos empregos nos EUA são considerados sob ameaça de extinção por substituição tecnológica. E em Portugal? Haverá emprego no futuro ou estaremos condenados a um purgatório de dependência das esmolas do Estado?

Talvez neste interregno da formação do governo (qual?), valha a pena tratar de outras questões essenciais.

A crise do emprego não vai ser resolvida, veio para ficar

Analisando a crise do emprego, a OIT publicou um relatório sobre Portugal em que regista três fatores de agravamento da crise social: um quinto da população expressa a sua vontade de emigrar; havia então 56% dos desempregados que estão há mais de um ano sem trabalho (e aproximadamente a mesma percentagem que não recebe qualquer apoio); e, ainda, que a reforma de negociação coletiva de 2011 conduziu à degradação da cobertura pelos contratos e portanto à fragilização das relações laborais.

Neste relatório, a OIT apresenta uma simulação do efeito de políticas favoráveis ao emprego, a partir de duas condições: a redução da taxa de juro em 1,5 pontos, para favorecer o investimento, e o desenvolvimento de políticas ativas, muito dirigidas para os jovens e para as famílias em que não há emprego. Segundo esta simulação e nestas condições, seria possível criar 108 mil postos de trabalho até final de 2015 e assim conseguir uma queda do desemprego em 2,3 pontos percentuais.

Ora, a orientação seguida pelo governo Passos-Portas tem sido a contrária, acentuando os fatores de redução dos salários e pensões e da procura interna, e estimulando as regras que facilitam o desemprego, exceto quando foi obrigado a fazer o contrário pelo Tribunal Constitucional. Entretanto, o emprego criado é predominantemente precário, ou seja, mais vulnerável a qualquer variação conjuntural.

Quanto emprego vai desaparecer com a computorização?

Temos então uma crise e uma política que acentua a crise. Mas teremos também um problema de sustentabilidade tecnológica do emprego? É o que vamos ver a partir de três estudos recentes e aplicados à realidade da economia norte-americana.

Dois dos artigos procedem a análises históricas sobre a evolução do emprego ao longo das sucessivas revoluções tecnológicas. E perguntam-se se os economistas do século XIX e XX tinham razão ao anteciparem que a sofisticação da tecnologia e das máquinas viria a substituir cada vez mais trabalho humano. Esse era o ponto de vista de David Ricardo (no seu capítulo XXXI dos Princípios de Economia Política e Tributação), de Karl Marx e, mais tarde, de John Maynard Keynes.

Ora, a estrutura produtiva evolui com a adoção de novas tecnologias ou formas de organização e, por isso, a aplicação de trabalho humano varia muito ao longo dos tempos: na imagem reproduz-se uma fábrica de alfinetes, como aquela a que se teria referido Adam Smith no seu livro de 1776, o Inquérito sobre a Riqueza das Nações: hoje esta fábrica seria igual? Mas, se for diferente, como certamente será, o que é que mudou?

Lawrence Katz (Universidade de Harvard, economia) e Robert Margo (Universidade de Boston, economia) fizeram uma investigação histórica sobre a relação entre as qualificações dos trabalhadores e as vagas de novas tecnologias para poder quantificar esses efeitos. A hipótese tradicionalmente aceite era que no século XIX, com a revolução industrial, a evolução tecnológica teria favorecido o emprego de trabalhadores menos qualificados como operadores dos equipamentos, ao contrário do que se teria passado a partir desse período. Mas os autores tiram a conclusão contrária: apesar do desaparecimento dos artesãos (qualificados) com a industrialização, foram sendo necessários outros trabalhadores qualificados, além dos operadores das máquinas, para serem afetos a funções mais sofisticadas fora da linha de produção, o que conduziu a um importante e persistente aumento de emprego qualificado. Essa seria a base histórica da criação do que se veio a chamar mais recentemente de “classe média”, nos EUA e noutros países.

No livro que escrevi com Chris Freeman, “As Time Goes By” (na tradução portuguesa, “Crises e Ciclos no Capitalismo Global”, Afrontamento, 2009), esses processos são analisados no mesmo sentido.

O segundo artigo é de David Autor (MIT, economia) e David Dorn (CEMFI, Madrid) e foi publicado na American Economic Review em 2013. Os autores estudam unicamente o crescimento do trabalho pouco qualificado entre 1980 e 2005, para verificarem a tese que afirma que o aumento da desigualdade salarial estará relacionado com a mudança tecnológica que favorece as qualificações. Mas a sua conclusão é surpreendente: ao passo que durante os vinte e cinco anos o emprego e os salários de trabalhadores pouco qualificados se têm vindo a degradar, o mesmo não acontece com os trabalhadores dos serviços. A parte destes trabalhadores entre os empregados que não têm formação universitária aumentou muito, mais de 50%. E cresceram os seus salários. Numa palavra, recuperaram poder contratual mesmo durante o período de redução do crescimento e das recessões dos anos oitenta e noventa.

A interpretação destes autores é que a computorização substituiu por máquinas os trabalhadores com tarefas rotineiras e que a rápida redução do preço da tecnologia computacional estimulou essa substituição. Por isso, os trabalhadores terão passado para os serviços, que são mais difíceis de automatizar e onde teriam encontrado cada vez mais empregos.

O último destes artigos é de Carl Frey (Universidade de Oxford, filosofia) e de Michael Osborne (Universidade de Oxford, engenharia) e estuda a persistência ocupacional desses serviços. E é aqui que a porca torce o rabo. Os autores estudam 702 profissões e o impacto previsível que a computorização pode ter no número de postos de trabalho, para concluírem que 47% dos empregos estão em risco, isto é, têm grande probabilidade de serem extintos nas próximas duas décadas.

Para chegarem a esta conclusão, Frey e Osborne distinguem os trabalhos que são intensivos em atividades rotineiras dos que exigem mais criação, e são portanto mais difíceis de conduzir por uma máquina com um algoritmo mesmo que sofisticado. Para isso, dão o exemplo do sucesso da Google em 2010, quanto conseguiu aplicar em Toyotas Prius um processo de condução totalmente automatizado, sem condutor (os estados norte-americanos da Califórnia e Nevada estão atualmente a alterar a legislação para permitirem automóveis sem condutor). Apesar do grande número de fatores envolvido em cada decisão na condução de um automóvel, a Google conseguiu reduzir esse processo a rotinas e aprendizagens (o que não quer dizer que o carro automático esteja disponível comercialmente a curto prazo). Mas essa capacidade não se aplica (ainda) em casos muito mais complexos com grande intensidade cognitiva.

Se conjugarmos esta análise com a de Autor e Dorn, então deduzimos que são precisamente os serviços onde mais aumentou o emprego para trabalhadores pouco qualificados que estão agora em risco com a computorização. Os exemplos das suas listagens de profissões com 99% de probabilidade de perderem grande parte do emprego são os operadores de telemarketing, os reparadores de relógios, os processadores de fotografias, os bibliotecários, os processadores de seguros, os agentes de cargas e fretes, os analistas de crédito, os motoristas, secretárias, operadores de rádio, operadores de telefone, vendedores, inspetores fiscais, analistas de orçamentos, técnicos em geologia e petróleo, cozinheiros, empregados de mesa, pedreiros, técnicos de equipamentos celulares, joalheiros, tratadores de animais e muitos outros. Por outras palavras, a qualificação será a base do emprego, mas só no caso de algumas qualificações.

Portugal em risco

É certo que, em Portugal, a redução dos salários desincentiva a curto prazo esta substituição de trabalho por processamentos computacionais. Para a redução de custos das empresas, atacar o salário é sempre uma vantagem. Mas a margem é muito estreita e essa vaga de alterações tecnológicas chegará em pouco tempo. Teremos assim uma dupla crise: a do desemprego criado pela destruição salarial e pelas regras facilitistas, e a do desemprego criado pelo reajustamentos dos processos produtivos e de gestão de serviços.

Sendo Portugal um dos países com menores qualificações da força de trabalho, esse desincentivo é evidente. No relatório do Conselho Nacional de Educação esses dados são evidentes nas comparações de níveis de qualificação em 2011: a parte da população que atingiu pelo menos o 12º ano é em Portugal de 31,9% (Espanha 52,6% e UE27 72,7%) e a que terminou o ensino superior é em Portugal de 15,4% (Espanha 30,7% e UE27 25,7%). Os salários são mais baixos e o trabalho é portanto mais barato.

Nesse sentido, a evidência demonstra que também nos setores mais qualificados tem aumentado o desemprego.

Assim, nesta era da austeridade, são os diplomados do ensino superior que sofreram as maiores quebras de emprego em 2012 e 2013. Mais uma vez, isso demonstra que a procura de redução de custos com salários se concentra nos setores mais bem pagos, ou que poderiam vir a ser mais bem pagos. Como muitos desses desempregados emigraram, temos então uma dupla armadilha. Em primeiro lugar, a redução de salários e o desemprego dos trabalhadores mais qualificados provoca perda de capacidade, emigração e exclusão do trabalho. Em segundo lugar, esta situação cria menos incentivos para a qualificação de quem chega à idade de estudar e trabalhar. Ou seja, perdem-se as qualificações existentes e perdem-se as qualificações futuras. Por outro lado, a evolução tecnológica sugere que no futuro próximo se vão perder muitos empregos em profissões rotinizadas de baixa qualificação.

Em analogia com os estudos atrás citados, o risco de um processo de substituição de trabalho pode abranger mais de 50% dos trabalhadores nos setores mais vulneráveis (serviços financeiros, energia, consultoria, comércio, armazenamento, distribuição, educação e outros). Mesmo que o resultado não seja uma computorização tão extensa como a referida pelos estudos para os EUA, não deixa de ser uma ameaça imensa. A ela soma-se ainda a situação corrente da austeridade: há um grande número de empregos em trabalhos por conta própria, que dependem da procura interna e são por isso a primeira fronteira da austeridade. Eles também estão a desaparecer em grande velocidade.

Por outras palavras, com austeridade não teremos medidas ativas para o emprego. E com a combinação entre autoridade tecnológica e submissão social teremos um regime apontado para viver na base de desemprego de massas, permanente e sem apoio. Não conhecemos nenhuma democracia assim. Mais vale prepararmo-nos para nos subjugarmos a este regime autoritário ou para viver para lutar contra ele, e para o vencer.

Artigo publicado em blogues.publico.pt em 18 de outubro de 2015

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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