O fim da irresponsabilidade fiscal

porFrancisco Louçã

27 de abril 2009 - 0:00
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No dia 16 de Abril, o Parlamento aprovou na generalidade três propostas do Bloco de Esquerda: levantamento do segredo bancário, publicação das remunerações dos corpos gerentes das empresas cotadas e uma taxa sobre os pára-quedas dourados. Desde então, tem sido um frenesim: "confisco soviético" garante a primeira página do Jornal de Negócios de dia 20, "inusitada aprovação", lê-se nas páginas da mesma edição, "populismo" e "demagogia inacreditável", dizem à uma todos os comentadores ouvidos pelo jornal.

As almas puras do capitalismo transparente rasgam as vestes perante o pavor de ter as contas verificadas pelo fisco ou os prémios milionários "confiscados", já para não falar da ignomínia que seria os accionistas saberem quanto lhes pagam em salários.

A indignação vai ainda mais longe. Num editorial, o sub-director do Jornal de Negócios somava os 75% da futura taxa aos pára-quedas dourados (em IRS, sobre o rendimento da pessoa) com o acréscimo de 5% na taxa das empresas que os paguem (em IRC, sobre os resultados líquidos das empresas), para concluir que a taxa final seria de 105%: batatas mais cenouras dá, noves fora zero, cebolas.

Esta vaga de indignação merece todo o elogio. Afinal, ao longo dos anos recentes a imprensa económica teceu loas aos mercados de capitais, aos "hedge funds", aos derivados "over-the-counter", à flexibilidade das "offshores", à liberalização que tudo permitia. Agora, revelado o escândalo do BCP, do BPN, do BPP, demonstrando-se como outros bancos usaram as "offshores", fazendo-se as contas dos prejuízos (são 5% do PIB? Será mais?), é de enaltecer a imprensa especializada que escrutina com tanto cuidado as medidas que são hoje discutidas para limitar os efeitos do capitalismo tóxico.

Para cooperar com este escrutínio atento, venho sugerir aos leitores do Jornal de Negócios três argumentos sobre estas leis que estão agora em discussão.

O primeiro: divulgar os valores dos salários faz bem ao mercado. Mas indigna-se Ricardo Salgado neste jornal: isso pode "enfraquecer a governance". Apoia-o Henrique Granadeiro: isso seria "contrário à recompensa do mérito". Pergunto eu: então divulgar os salários (como em todas as profissões), não é também uma forma de reconhecer o mérito? E os accionistas não têm o direito de saber quanto pagam a quem? Um mercado transparente é mais verdadeiro.

O segundo: se os prémios forem taxados, passam a ser pagos nos salários. Muito bem. Se os accionistas aceitarem, é com eles. Mas os salários vão ser conhecidos. O segredo só estimula a incompetência e a irresponsabilidade: os administradores do BCP tinham dos salários de banqueiros mais bem pagos da Europa, e incluíam comissões (até 10% dos resultados). Diz o presidente da CMVM que as contas do banco foram falseadas. Quem foi pago a peso de ouro não tem qualquer responsabilidade nos resultados da sua administração?

O terceiro: não deve haver levantamento do segredo bancário, por causa da privacidade das pessoas. Mau argumento: o projecto de lei do Bloco protege a privacidade, porque impede o fisco de aceder a qualquer informação sobre os gastos privados das pessoas. Mas obriga os bancos, segundo o modelo espanhol, a darem toda a informação sobre os fluxos de rendimentos, que são comparados com o que foi declarado em IRS. Esse é o único instrumento para detectar o enriquecimento ilícito, a corrupção ou a evasão fiscal. Nenhum país inventou outro instrumento tão eficaz, e é por isso que, na Europa, já só existe segredo bancário nos países que a OCDE considera e persegue como paraísos fiscais: Suíça, Áustria, Luxemburgo.

Considerando todas estas tenebrosas ameaças de "confisco" contra a "governance", o Jornal de Negócios tranquiliza alguns leitores mais sobressaltados: "Gama não fixou prazo para debate na Comissão", "sendo provável que [este pacote] não fique concluído até às eleições". Doce engano. O presidente da Comissão já fixou o prazo para propostas para a especialidade até à próxima sexta-feira, e o Bloco de Esquerda tem o poder regimental de fazer concluir este processo num mês. Ouvidos os juristas e especialistas tributários e considerando todas as propostas de todos os partidos, assim será. O fim da irresponsabilidade fiscal e o combate à corrupção exige a medida democrática da transparência e da "accountability" dos agentes económicos.

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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