O estado a que isto chegou

porAndré Julião

29 de abril 2023 - 13:33
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O PS não quer mexer no status quo que vai arrastando penosamente o país, cada vez mais longínquo das memórias de abril. Porque é esse status quo que o vai eternizando no poder, numa relação simbiótica que se alimenta mutuamente.

Abril costuma ser sinónimo de esperança. Mas, hoje, não há pai ou mãe, de direita ou de esquerda, que não esteja profundamente preocupado com o futuro que o país reserva aos filhos.

A situação é negra, com tendência para piorar e não se vislumbra, no horizonte, um esboço sequer para tentar torná-la um pouco menos sombria. O lema para quem pretende eternizar-se no poder parece ser o de não criar ondas e deixar tudo como está.

Comecemos pelo mais dramático: a habitação. O momento é de emergência nacional. São cada vez mais as famílias que voltam para casa dos pais por não conseguirem comportar as mensalidades dos créditos à habitação sobre-inflacionados pela alta de juros.

Multiplicam-se as notícias sobre jovens que desistem da faculdade por não conseguirem pagar as elevadas rendas exigidas por cubículos exíguos e sem quaisquer condições.

Se fosse possível ver Portugal inteiro a partir de um monóculo, à imagem dos velhos filmes de piratas, assistiríamos a um país sem-abrigo, ferido de morte pela gentrificação cultivada por governos e autarcas sem qualquer visão de futuro. Um país onde se acumulam pessoas que vivem em tendas multiplicadas por algumas das artérias mais movimentadas de Lisboa e Porto.

Face ao cenário, o Governo cria um pacote sem quaisquer medidas de apoio às famílias, perdido numa surdina pseudo-ideológica, onde a discussão se restringe a um ponto inexequível e que nunca sairá do papel.

Embora nunca tenha mandado emigrar os nossos filhos – como Passos Coelho sugeriu por várias vezes – o primeiro-ministro António Costa parece tudo fazer para que isso aconteça. E em massa. Perdido em casos, escândalos, contradições e polémicas, o Governo vai apresentando meia-dúzia de power-points, tentando a todo o custo mudar as agulhas da agenda mediática.

Enquanto isso, permanecem os vistos-gold, os incentivos aos nómadas digitais com poder de compra – sim, também existem os portugueses, mas esses auferem salários nivelados pelo país – e vemo-nos cada vez mais resumidos a servir “english breakfasts” e a passear famílias suecas de tuk-tuk.

Da direita, os ventos não são melhores. Flutuando entre hubs de unicórnios e altares das Jornadas da Juventude, o edil lisboeta Carlos Moedas parece querer fazer à capital aquilo que o seu ídolo Elon Musk começou a fazer ao Twitter.

Ignorado a situação dramática que se vive na autarquia que dirige, corre a inaugurar uma residência universitária de luxo, onde os preços por quarto começam perto dos 800 euros por mês, acima do ordenado mínimo nacional.

As propostas, aliás, não são assim tão diferentes, como não o são os “projetos” para o país. Um bom exemplo é a ridícula baixa do IVA num suposto cabaz de alimentos básicos. São inúmeras as notícias de produtos que ficaram na mesma ou que até subiram de preço. Costa não soube aprender com o falhanço espanhol e alinhou pela mesma bitola. Com o mesmo resultado, como seria de esperar.

A alta de preços mantém-se porque os grandes retalhistas que dominam o país deram instruções para manter o percentual das margens de lucro. Quer isto dizer que o preço final dos produtos aumenta bastante mais do que o aumento do seu custo de aquisição.

Mas, em vez de restringir as margens de lucro – uma medida loucamente extremista -, Costa optou por fazer um acordo de cavalheiros com os patrões da grande distribuição e confiar que tudo iria correr bem. Bom, tudo correu… como seria de esperar, mal.

O PS não quer mexer no status quo que vai arrastando penosamente o país, cada vez mais longínquo das memórias de abril. Porque é esse status quo que o vai eternizando no poder, numa relação simbiótica que se alimenta mutuamente.

Ao mesmo tempo que mantém o acordo de cavalheiros tácito com a elite que manda na economia, Costa vai agitando e alimentando o fantasma da extrema-direita, garantindo, mais do que a própria, que vai marcando presença na agenda mediática e subindo nas sondagens.

Costa não aprendeu a lição do moribundo PS francês. Pode ser que a História lhe reserve o mesmo destino de Hollande. Só o tempo o dirá.

André Julião
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André Julião

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