Participei no workshop Comunicação em Tempo de Guerra organizado pela Dialop – Plataforma de Diálogo entre Cristãos e Marxistas, incluído no programa da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no qual interveio mais de uma centena de jovens de todo o mundo. Fizeram-no com a naturalidade e a exigência de quem sabe que os problemas do mundo são grandes de mais para que nos fechemos na segurança das nossas heranças blindadas.
Walter Baier, presidente do Partido da Esquerda Europeia, também participante no evento, deu voz a essa urgência de diálogo: por um lado, neste tempo de guerra, a ameaça de destruição global pelas armas nucleares deixou de ser um cenário virtual e tornou-se num risco de concretização iminente; por outro lado, neste tempo de catástrofe climática, a nossa resposta ao grito da Terra tem que ir de mão dada com a nossa resposta ao grito dos pobres, porque ambos têm a mesma origem numa economia que mata tanto as pessoas como a natureza.
O desafio com que todos – crentes e não-crentes – estamos confrontados é o de construirmos uma alternativa ao senso comum alimentado por uma série de dispositivos que naturalizam a guerra e o desastre ambiental. Neste contexto, todos os diálogos entre quem busca a paz e a justiça para a nossa casa comum são absolutamente necessários. É urgente a construção de uma ética social transversal, com a marca do primado da vida digna para todos, que junte quem, a partir de ângulos diferentes, se empenha na construção dessa alternativa. Francisco sinaliza-o com lucidez invulgar ao advertir que “a paz e a estabilidade internacionais não se podem basear num falso sentimento de segurança, na ameaça de destruição mútua ou de aniquilamento total ou apenas na manutenção do equilíbrio do poder” (Fratelli Tutti, 262).
Ou seja, a exigência com que este tempo nos confronta é a de que construamos em conjunto uma paz positiva, alicerçada em transformações profundas das estruturas económicas, sociais e políticas que aviltam a dignidade das pessoas e violentam a vida da Mãe Terra. Afastados pela primazia que, em cada um dos campos, foi conquistada pelas respetivas ortodoxias conservadoras, marxistas e cristãos são destinatários deste apelo à construção de um senso comum em que a dignidade dos empobrecidos, dos explorados e de todas as vítimas de todas as discriminações seja a pedra angular.
Há um intenso caminho feito, por gente de um lado e do outro, para essa construção de consensos diferenciados que deem corpo a uma alternativa à economia que mata. Sublinho três marcos desse caminho andado. O primeiro foi o reconhecimento da existência de “pecados estruturais”, ou seja, a negação de Deus no outro resultante do funcionamento “normal” de estruturas como o comércio internacional, a divisão internacional do trabalho, a globalização da indiferença, etc.. O segundo marco é a acentuação, que tem tido em Francisco uma voz especialmente determinada, do lugar dos pobres e do cuidado da casa comum como categorias teológicas. Textos como Laudato Si ou Fratelli Tuti dão voz a um pensamento crítico agregador em que muitos marxistas se reveem. O terceiro marco é o relevo que, no campo marxista, se vem atribuindo à hegemonia para lá do domínio material e, com isso, a todo um conjunto de dispositivos relacionais e ideológicos que naturalizam subtilmente o poder económico e social.
O caminho de encontro entre cristãos e marxistas, feito destes e doutros marcos, faz um especial sentido aqui, deste lado do mundo, para dar resposta ao desafiante enunciado do Papa na sua alocução às autoridades políticas e diplomáticas no primeiro dia da Jornada Mundial da Juventude: “Sonho uma Europa, coração do Ocidente, que use o seu engenho para apagar focos de guerra e acender luzes de esperança”.
Artigo publicado no jornal “Público” a 12 de agosto de 2023
