Está aqui

O clube dos poetas mortos

A luta dos professores suscitou vagas de entusiasmo: finalmente a escola pública, a sua qualidade e democracia estão a ser defendidas. Mas provocou também, como não podia deixar de ser, vagas de indignação. Do governo, naturalmente, mas também dos seus mais tradicionais apoiantes no ataque à escola pública, os neoconservadores. A estratégia das escolas privadas começou por isso a apresentar os seus argumentos.

Uma peça esclarecedora deste ataque neoconservador contra os professores foi um editorial de José Manuel Fernandes, director do Público. Fernandes retomou o exemplo do filme de 1989, "O Clube dos Poetas Mortos", de Peter Weir, que acusa de ter inspirado muitas das desgraças da escola actual. Os professores, segundo Fernandes, seriam uma espécie de perversos discípulos daquele professor, John Keating, que se tinha permitido ensinar literatura aos seus alunos, encantando-os com a poesia.

Fernandes não hesitou perante nada. Forja uma história adaptada aos seus propósitos, insinuando responsabilidades desta pedagogia no drama que o filme narra. Para Fernandes, foram "os métodos do professor que acabaram por criar uma tensão de que resultou o suicídio de um dos seus alunos". A pequena polémica de Fernandes escolhe a falsificação: no filme, o aluno suicida-se porque o pai lhe impõe que não faça teatro, que era o que ele queria fazer na vida.

Mas o mais importante é como Fernandes manifesta o seu gosto pelo ensino autoritário, pelas regras da escola privada, em que os alunos são condicionados por todas as fardas. "Tinha sucesso", diz Fernandes. Concede aliás, num momento de lágrima furtiva, que talvez aqueles alunos de boas famílias pudessem vir a permitir a convivência do gosto pela literatura com a disciplina feroz. Mas no Carolina Michaelis isso não pode acontecer nunca - porque os alunos são pobres ou remediados, entende-se. Deixem-se os professores de gosto pela literatura e imponham autoridade.

O que o professor Keating fez foi uma revolução, na história do filme. Mostrou aos alunos que a literatura podia ser fascinante e que Walt Whitman e Byron eram mais interessantes do que os tristes poetas parnasianos que a cartilha da escola seleccionava. O mesmo se pode fazer sempre com as ciências e com a matemática. O melhor ensino é o que ensina, e a melhor escola é aquela em que os alunos aprendem o gosto de aprender. Mas a defesa de uma pedagogia que ensine provoca calafrios aos neoconservadores e foi por isso que um dos seus gurus, José Manuel Fernandes, saiu em defesa do autoritarismo, que é o ataque mais profundo contra os professores e a sua escola.

Foi assim que o exemplo do episódio grotesco do Carolina Michaelis permitiu a demagogia conservadora: em nome da judicialização do conflito e da criminalização da indisciplina, os autoritários vieram reclamar o seu sonho de escola prisão. Pensam que o autoritarismo é uma pedagogia. Os conservadores acorreram como tábua de salvação da ministra da educação, atacando os professores e procurando desautorizar o seu trabalho.

"Deixem-nos sossegados", diziam os alunos. Tirem as mãos de cima da escola pública, dizem os professores. Têm razão. Foi por isso que as escolas se manifestaram a 8 de Março. É por isso que são as escolas agora a tomar a posição sensata: suspender a avaliação incompetente. Se não o faz o governo, fá-lo-ão as escolas. Haja quem tenha bom senso.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
(...)