O caso dos 125ME desaparecidos

porAntónio Lima

23 de outubro 2022 - 15:51
PARTILHAR

Ou muito me engano ou esses 125 ME não chegarão à economia que deles precisa - as pequenas e médias empresas - mas chegará a grandes interesses opacos e anónimos - muitos deles externos à região, que são os fundos de investimento.

Uma vez mais, soaram os alertas pela voz da comissão de acompanhamento do PRR nos Açores sobre a execução deste plano na região.

Já não é a primeira vez que se ouvem alertas acerca da execução do Plano de Recuperação e Resiliência nos Açores. Este plano, desenhado no período da pandemia, constitui grande parte do investimento público em curso e nos próximos anos.

Recorde-se que o PRR tem reservada uma verba de 125 ME destinada à recapitalização das empresas na região, devido ao impacto da pandemia. A decisão de alocar 125 ME à recapitalização do sistema empresarial é ela própria discutível, principalmente quando se desconheceram critérios para essa distribuição. Mas a verdade é que a decisão foi tomada.

Agora exigem-se respostas à utilização desse dinheiro que representa 21,6% do PRR dos Açores. Não é coisa pouca.

O governo regional decidiu entregar a gestão desse dinheiro ao Banco de Fomento e até hoje desconhece-se qualquer verba executada destes 125 ME. É, aliás, a comissão de acompanhamento do PRR na região que, em relatório publicado ontem, alerta para a necessidade de se aplicar essa verba, para além do alerta para inúmeros atrasos na execução do PRR que podem ser irrecuperáveis.

Consultado o site do PRR na região, verifica-se a existência de um aviso de abertura para um Programa Capitalizar Açores com 50 ME, gerido pelo Banco de Fomento. Percebe-se da leitura do aviso que esse dinheiro não chegará aos beneficiários, empresas, associações e cooperativas dos Açores, sem passar por um fundo de capital de risco, pois a existência desse intermediário financeiro é condição para aceder aos fundos.

Ora, começa a perceber-se que o governo regional abdicou de um instrumento fortíssimo de investimento público para o entregar a uma entidade externa - o Banco de Fomento - que por sua vez ainda introduz mais um conjunto de intermediários no aviso de abertura - fundos de capital de risco - antes de esse dinheiro chegar à economia.

Ou seja, na prática, parece que serão fundos de capital de risco a decidir que empresas terão direito a aceder ao dinheiro público.

Ou muito me engano ou esses 125 ME não chegarão à economia que deles precisa - as pequenas e médias empresas - mas chegará a grandes interesses opacos e anónimos - muitos deles externos à região, que são os fundos de investimento.

A opacidade com que este assunto tem sido tratado e as sucessivas camadas de complexidade que são criadas para o acesso a esta verba levantam cada vez mais questões e sobressaltos. Mas parece cada vez mais claro que as pequenas e médias empresas da região ficarão a ver navios.

Ao mesmo tempo, na anteproposta do Plano para 2023 aparece uma medida de recapitalização das pequenas e médias empresas no valor de 20 ME, sem qualquer referência ao PRR e aos 125 ME.

Desconhece-se por isso se estes 20 ME são parte dos 125 ME do PRR. Se assim for, as pequenas e médias empresas estão a ser enganadas, pois não podem aceder a estas verbas diretamente. Caso contrário, então é a assumpção por parte do governo de que os 125 ME do PRR não chegarão à vasta maioria das pequenas e médias empresas da região. Qualquer uma das hipóteses é preocupante.

É mais do que tempo de se fazer luz sobre o que anda o governo do PSD, do CDS e do PPM a fazer com estes 125 ME de dinheiro público.

António Lima
Sobre o/a autor(a)

António Lima

Deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Regional dos Açores e Coordenador regional do Bloco/Açores
Termos relacionados: