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O cartaz do PS e a pedagogia da Direita

Ao ostentar vaidosamente o valor do défice, o PS só está, na prática, a contribuir para a pedagogia da Direita.

"2,1%, o défice mais baixo da nossa democracia". É esta a frase escolhida pelo Partido Socialista para preencher as centenas de outdoors espalhados pelo país.

Decerto estará o PS convencido que o feito lhe confere credibilidade, não apenas aos olhos das instituições europeias, mas também da generalidade da população. O que o PS não percebe, ou não lhe interessa perceber, é que, ao ostentar vaidosamente o valor do défice, só está, na prática, a contribuir para a pedagogia da Direita.

Foi a obsessão pelo défice que levou Portugal à mais profunda das crises económicas e sociais. Que, depois de quase uma década de violenta austeridade, o défice volte a ser um dos elementos centrais da propaganda do Governo mostra bem as contradições políticas e ideológicas do próprio Partido Socialista.

Quem hoje acena a bandeira do défice como o alfa e ómega do seu sucesso económico, amanhã terá dificuldades em explicar porque é que as metas do défice devem ser sacrificadas em nome do investimento no país e no combate à pobreza.

A Comissão Europeia não fez ainda o mea culpa, tal como a Direita portuguesa nunca o fará, mas são cada vez mais as entidades (como o instituto alemão DIW, e o próprio FMI) que confirmam um facto óbvio: a austeridade agravou muito a crise portuguesa. Tal como afirma o FMI, exigir cortes orçamentais e aumentos de impostos em momentos de recessão é como "pôr um cão a perseguir a própria cauda".

A crise deveria ter-nos mostrado como o défice não é, nem pode ser, um objetivo em si mesmo. É normal que, em tempos de crise, o Estado se possa endividar para injetar dinheiro na economia. A razão é simples: mais ninguém pode fazê-lo e, se nada for feito, a economia do país colapsa, agravando a crise inicial. Também é normal que, em tempos de crescimento, o défice seja reduzido, aproveitando o maior dinamismo da atividade económica.

Em nenhum dos casos o défice mereceria um cartaz. Sobretudo quando estes 2,1% foram conseguidos à custa de outras prioridades que, essas sim, dariam grandes outdoors: "A cada escola os recursos de que precisa", ou "investimento público para relançar a economia", ou "nenhum desempregado sem apoio" ou mesmo "o maior orçamento para a Cultura da nossa democracia".

Artigo publicado no “Jornal de Notícias”, a 7 de março de 2017

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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