O caminho da decência para a imigração

porMariana Mortágua

16 de janeiro 2025 - 17:45
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Canais seguros de entrada, regularização, reagrupamento de famílias é o único caminho da decência. Sei que não é popular, neste tempo em que líderes políticos fantasiam com imigrantes que se alimentam de animais domésticos. Mas é aqui que reside a defesa da decência, do direito internacional, da democracia e da economia.

Há muitas formas da extrema-direita chegar ao poder. Mas há uma que é certa. Quando as suas ideias são capazes de manipular e condicionar os partidos do centro e da direita tradicional, então a extrema-direita determina a política, mesmo estando fora dos governos e em minoria nos parlamentos. Nesse momento, as coordenadas da política mudam: o que era impensável passa a ser aceitável, e o que era aceitável é visto como extremismo. 

Neste tempo em que os astros morais balançam em confusão, tudo é possível e a política é sinistra: a ministra dos negócios estrangeiros da Alemanha, do principal partido dos verdes europeus, defende a legitimidade do bombardeamento de civis em escolas e hospitais em Gaza. O homem que integrou levou os liberais holandeses a um governo chefiado pela extrema-direita próxima de Putin é o novo chefe da NATO, que exige que os Estados cortem em saúde para comprarem bombas.O primeiro-ministro trabalhista inglês pede conselhos à líder italiana da extrema-direita Meloni para combater a imigração

Ursula von der Leyen elogia os seus campos de migrantes externos à UE e depois é eleita presidente da CE num acordo de lugares com socialistas, verdes, liberais, direita e extrema-direita. É só neste carrossel de degradação moral de uns e desorientação total de outros, que podemos entender a novilíngua do Pacto das Migrações, aprovado com os votos do PS, do PSD e dos liberais: diminuir deportações é massificar deportações. Não somos nós que o dizemos, é a conclusão da investigação da Provedora de Justiça europeia às consequências do mecanismo agora generalizado. Dividir responsabilidades entre Estado Membros quer dizer pagar para as recusar. Neste comércio do horror, cada vida vale pouco.

Proteger famílias e crianças é, de facto, autorização para separar famílias, manter crianças em prisões com o nome campo de detenção, e deportá-las. Cooperar com países terceiros é financiar máfias e senhores da guerra que destroem, em países onde os direitos humanos são uma miragem. É no Sudão que estas pessoas estarão seguras ou nas mãos da guarda-costeira Líbia, acusada de tráfico humano e tortura? Mentiras e crimes disfarçados de humanismo e sensatez.

Negar asilo, financiar redes criminosas, desproteger ainda mais as crianças. Jornalistas de investigação reportaram a recolha abusiva de dados para perseguir imigrantes, imigrantes levados para morrer no deserto, sujeitos a trabalho forçado e escravatura, horrores indizíveis, tudo patrocinado com o dinheiro europeu.

E para quê? Para impedir a entrada de imigrantes? Não. Para impedir a regularização de imigrantes. Imigrantes sem papéis, sujeitos às práticas laborais mais selvagens, sem hipótese de integração, são a mina de ouro da economia europeia: agricultura, pescas, turismo, indústria,construção. 

Canais seguros de entrada, regularização, reagrupamento de famílias é o único caminho da decência. Sei que não é popular, neste tempo em que líderes políticos fantasiam com imigrantes que se alimentam de animais domésticos. Mas é aqui que reside a defesa da decência, do direito internacional, da democracia e da economia. A política da mentira e do ódio tem este destino. Desorienta a bússula, aponta aos outros, mas destrói-nos a todos.

Sobre o/a autor(a)

Mariana Mortágua

Deputada. Coordenadora do Bloco de Esquerda. Economista.
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