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O Bloco está manso?

Em junho, Passos Coelho acusava o Partido Socialista de ter entrado numa deriva de radicalização comandada pelo Bloco de Esquerda. Três meses depois surge uma nova tese...

Em junho, Passos Coelho acusava o Partido Socialista de ter entrado numa deriva de radicalização comandada pelo Bloco de Esquerda. Três meses depois surge uma nova tese sugerida por vários comentadores e alguns órgãos de comunicação. Afinal, o Bloco está manso, domesticado pelo PS. Afinal, ao que parece, há saudades do velho Bloco.

Não resisto a deixar uma nota de espanto ao ver tanta nostalgia do suposto radicalismo do Bloco. Se bem me lembro, ainda ontem era a causa da sua inutilidade política - um partido de protesto sem capacidade para influenciar a governação - ou, na tese de Passos, a causa da instabilidade política do país. Mas adiante porque o assunto é sério.

Será que estamos mesmo a ficar mansos?

Passaram-se nove meses e vale a pena olhar para algumas das coisas que conseguimos, e quem incomodámos no caminho.

As medidas que aprovámos para combater o trabalho forçado mereceram a fúria das confederações do patronato. "Repúdio veemente", foram as palavras utilizadas por aqueles que só se incomodam com direitos básicos no mundo do trabalho porque vivem do abuso e da exploração. Coisa parecida aconteceu quando negociámos o aumento do salário mínimo: de 505euro para 535euro em 2016 e pelo menos mais 5% ao ano até 2019.

Na energia, a EDP foi finalmente posta a pagar uma tarifa social. As propostas concretas de combate às rendas que negociámos no grupo de trabalho com o Governo já nos valeram acusações de querer destruir "o setor". Entre as vítimas encontra-se o poder da celulose, responsável pela selvajaria de eucaliptos que deu no que deu.

O lóbi dos colégios privados enfureceu-se com o apoio a uma medida que há muito defendíamos e, na saúde, o presidente da República já sentiu a necessidade de vir dizer que está contra cortes nas despesas com as PPP. É para aí que vamos.

Se mais espaço tivesse, mais exemplos daria. Mas que não haja enganos. Nem contribuímos para a tese daqueles que todos os dias desejam o fim do Governo nem caímos na tentação de achar que esta configuração de poder é um fim em si mesmo. Não haverá inversão de ciclo sem mudanças da dívida e nas regras europeias aceites por Portugal. Até lá, todos os dias são de tensão. Uma permanente disputa por mais uma medida que faça a diferença. Não estamos mansos, só não nos distraímos do que viemos cá fazer.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” em 13 de setembro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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