O argumento nuclear

porPedro Filipe Soares

04 de junho 2010 - 2:48
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Dizem-nos alguns que a evolução tecnológica já retirou os perigos da a energia nuclear. Mas, como percebemos, é conversa capitalista para a defesa de algo indefensável.

O desastre provocado pela explosão e afundamento da plataforma de exploração petrolífera da BP atinge proporções cada vez mais gigantescas. Os números mais recentes indicam que o derrame de petróleo assume valores superiores a 170 milhões de barris de petróleo. Para se perceber a dimensão deste drama, a quantidade de petróleo em causa é superior às necessidades de Portugal para o período de um ano e meio. É, de facto, uma tragédia ambiental, que também começou por ser uma tragédia humana, com a morte de 11 trabalhadores aquando da explosão da plataforma.

Por um lado, este desastre mostra-nos a desconfiança necessária que temos de apresentar às afirmações que nos fazem como sendo credíveis e, por outro, a enorme fragilidade humana perante a força da natureza.

A desconfiança perante a BP terá de ser enorme e aumenta a cada dia que passa. As notícias sucessivas indicam que a própria política de segurança da empresa não foi respeitada e, com isso, se propiciou todo o desastre. Desconfiança também perante as palavras de Barack Obama, dado que as preocupações que ele hoje defende publicamente, não escondem que foi ele quem deu luz verde à ganância das petrolíferas, com a promessa da abertura de novas áreas de perfuração off-shore no Golfo do México. E, claro, a desconfiança perante o sistema, pois, apesar de nos dizerem que não há risco nas explorações petrolíferas off-shore porque a tecnologia já está amadurecida, vemos que a realidade é bem diferente.

A fragilidade humana perante a força da natureza é, também, outra das lições que retiramos dos sucessivos falhanços nas tentativas de estancar o derrame de petróleo. E essa ideia é algo que vai ao âmago do capitalismo, que tenta passar a ideia de que a técnica se irá sobrepor à natureza (desde que isso seja lucrativo). Esta lição já a tivemos em vários momentos ao longo do último ano. Foram os sismos que provocaram centenas de mortos e até um vulcão, que estava sossegado há muitos séculos, veio colocar a Europa com os pés bem assentes no chão sobre esta matéria. Estas tragédias chegam do nada e deixam um rasto devastador e, sendo verdade que existem muitas explicações à posteriori, não há previsão possível para elas.

Os exemplos que dei são um conhecimento valioso para a discussão de um outro tema onde a argumentação se repete: a energia nuclear. Dizem-nos alguns que a evolução tecnológica já retirou os perigos desta fonte de produção de energia. Mas, como percebemos, é conversa capitalista para a defesa de algo indefensável. Mesmo sem termos de recorrer aos argumentos do custo da energia nuclear e à incapacidade de tratamento dos resíduos criados, a discussão passa hoje pelos exemplos que vamos tendo.

Não podemos acreditar naqueles que nos dizem que a tecnologia amadureceu porque percebemos que esse argumento é simplesmente utilizado por mero recurso retórico e tenta esconder os reais perigos. É inaceitável sequer considerar os dados estatísticos que indicam que é mínimo o risco, pois mínima também era a possibilidade da existência da explosão na plataforma da BP, ou a erupção do vulcão islandês, ou os sismos que conhecemos. Mas, a verdade é que esses problemas aconteceram com um preço muito alto a pagar por eles. A arbitrariedade destes acontecimentos da natureza, que têm acontecido com uma frequência crescente, mostra bem como não podemos correr quaisquer riscos sobre esta matéria.

A discussão sobre a energia nuclear em Portugal fica encerrada com a crueza da realidade que deitou por terra, com exemplos duríssimos, a retórica que apenas procura uma fonte de valorização do capital.

Pedro Filipe Soares
Sobre o/a autor(a)

Pedro Filipe Soares

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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