Teve lugar, na Academia da Juventude, uma sessão de leitura de excertos da obra “As Cartas Portuguesas”, da autoria de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velha da Costa.
Uma iniciativa da Associação Gerónima, pela mão de Lúcia Moniz, em conjunto com a co-autora e produtora do documentário “As Novíssimas Cartas Portuguesas”, Irina Pampim. Foi um momento que superou todas as minhas expetativas. Ali, naquela sala, encontrei três gerações de mulheres e homens, adolescentes, jovens, jovens adultos e séniores, pessoas dispostas a ler e a ouvir textos que, por vezes, nos fazem saltar as lágrimas pela dureza das suas descrições. Cada letra, cada palavra, cada frase contém a dureza, cenários e palcos da vida que podem ser o da nossa vizinha, daquela tia que comunica pouco ou mesmo daquela mulher que, ao apanhar o autocarro, tentou esconder aquela nódoa negra no pescoço.
Bertolt Brecht dizia que o teatro não podia ser engolido, mas sim mastigado. Ou seja, o público não deve sair de um espetáculo sem entender aquilo que acabou de assistir, nem deixar de levar consigo uma mensagem. E foi, exatamente, isso que aconteceu com a leitura daqueles textos.
Assistir a jovens, raparigas e rapazes, a ler, percebendo que a emoção se tinha sobreposto ao nervosismo inicial, foi uma excelente experiência. Estou certa de que daquele momento, daquele estado de desequilíbrio interior desencadeado pelas situações cruéis que leram, haverá o momento de assimilação que lhes permitirá ter, ainda mais, consciência acerca do longo e tumultuoso caminho que as mulheres travaram e travam para a sua afirmação na sociedade, passando do papel, que lhes foi imposto, de cuidadoras da família para um papel de intervenção e decisora na comunidade.
Por incrível que nos possa parecer, aquele livro conta episódios que, em pleno século XXI, ainda acontecem. A violência da qual a mulher é vítima, a sua ostracização, a precariedade no trabalho devido à sua condição de ter um útero e de menstruar, entre outros.
Mas, “As Novas Cartas Portuguesas” são mais do que uma critica à opressão feminina, uma vez que refletem sobre a luta de classes, a relação patrão- empregado, a exploração do homem pelo homem, a incoerência da moral. Uma obra que exprime uma consciência política.
A leitura desta obra é um verdadeiro “murro no estômago”, onde se percebe a importância da literatura escrita por mulheres, pois envolve uma dupla conquista. A conquista da identidade e a conquista da escrita, dando-se um processo de reconstrução da categoria de “mulher”, enquanto questão de sentido para a reconceptualização do feminino.
Faz sentido comemorar o Dia Internacional da Mulher? A leitura deste livro e o seu documentário dão-lhe a resposta.
