Um dia que se faça a história de todos os casos que abalaram o Governo de António Costa desde que obteve a maioria absoluta, contar-se-á como o mais infantil dos acontecimentos se avolumou na opinião pública e na Oposição como uma arrastada e desconcertante arma de arremesso político. Sobre a menoridade da prepotência e a maximização da opacidade. Os tristes episódios de "faroeste" no Ministério das Infraestruturas são o caso político mais irrelevante, desinteressante e inconsequente dos últimos tempos, esponja que tudo absorve e tudo seca sobre o que verdadeiramente importa. Aqui jaz tudo o que aconteceu à TAP, tudo o que ainda mexe sobre o seu presente, tudo o que pode ou não fazer o seu futuro, reduzido a nada senão - quando muito - à miséria da condição humana a fazer os seus rotineiros estragos.
João Galamba afirmou na CPI ter sido António Mendonça Mendes que lhe disse para ligar para o SIS. Eugénia Cabaço assegurou - na mesma CPI - ter sido a própria a ligar para o SIRP, tendo recebido, de seguida, um telefonema do SIS. António Costa afirma que foi Eugénia Cabaço que ligou para o SIRP. Perante tantas versões, umas contraditórias, outras omissas, há alguém que silencia a verdade. E o cidadão comum pergunta-se sobre o que é que isto realmente interessa. Que relevância terá este folhetim e que conveniência impede o Governo de falar a uma só voz, não contando toda a verdade sobre tudo o que se passou? Há muito tempo que há uma novela que esconde o drama.
António Costa não pode permitir que erros menores e precipitações sobre alguém que subtraiu um computador ao Estado se transformem num segredo de polichinelo. A Oposição demonstra sérias dificuldades em fazer o seu papel quando é o Governo que insiste, por sistema, em atirar aos próprios pés. E perante tão inusitada caça à distinta sombra, a pergunta que muitos fazem é se alguns ministros atiram aos pés para que nos distraiamos de partes relevantes da figura de corpo presente ou se tudo isto é mesmo gosto pelo enredo. Por vezes, parece que uma parte da táctica deste Governo é fazer figura de corpo presente e que esse prémio de assim existir é bastante, mais do que suficiente para manter a Oposição aos papéis, sem discutir aquilo que verdadeiramente interessa ao país.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 2 de junho de 2023