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Nova lei reconhece desgaste rápido dos bailarinos

Foi ontem votada em grupo de trabalho – e hoje confirmada em Comissão – uma nova lei que reconhece o desgaste rápido dos bailarinos clássicos ou contemporâneos.

Este processo tem décadas. Desde meados dos anos 90 que os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado lutam por este regime.

Em Portugal, há demasiada gente a trabalhar em condições penosas, com salários baixos, horários demasiado longos, sem a proteção que merece, sem ser valorizado no que faz

Pode não ser evidente, mas a dança não é só um espetáculo bonito. Quando exercida como profissão, é de uma extrema exigência física e psicológica, requer disciplina, entrega e treino rigoroso. Os bailarinos têm carreiras curtas e quase um terço termina-as abruptamente devido a uma lesão incapacitante. Porque começam muito cedo a dançar, têm uma grande especialização, o que lhes dá muitas competências nessa área, mas percursos académicos mais curtos e grandes dificuldades na reconversão profissional.

Atualmente, os bailarinos e bailarinas já podem aceder à reforma a partir dos 45 anos, mas penalizações tão grandes que lhes levariam mais de metade da pensão.

Aos 55 anos, idade até à qual teriam de trabalhar para aceder à reforma com menos penalizações, já ninguém é bailarino de dança clássica. Além do regime de segurança social ser desajustado, nunca foi criado um mecanismo específico de reinserção profissional, nem garantidos cuidados médicos adequados.

O Bloco acompanha esta questão desde que existe. Na nossa primeira legislatura – na altura, com dois deputados apenas – apresentámos, em diálogo com os trabalhadores da Companhia nacional de Bailado, um projeto para criar um regime especial de segurança social e de reinserção profissional.

Agora, na sequência de um trabalho conjunto entre vários partidos, esse regime vai finalmente ver a luz do dia. Mais do que uma vitória do Bloco ou de qualquer outro partido, é uma vitória dos bailarinos e das bailarinas. Elas e eles estão de parabéns!

No trabalho conjunto que se fez neste Parlamento, conseguimos avançar em 5 dimensões:

Primeira: garantir um seguro obrigatório de acidentes de trabalho que corresponda à sua profissão. Até agora, o seguro disponível para os bailarinos da CNB era equivalente ao de um trabalhador de escritório. É absurdo e absolutamente inadequado.

Em segundo lugar, um regime próprio de acesso à pensão por incapacidade e à reparação dos danos que resultam de acidentes de trabalho, que tenha em conta as particularidades da profissão, a exigência física, o risco de lesões, o desgaste, nomeadamente através de uma tabela de incapacidades específicas.

Em terceiro lugar, a obrigatoriedade de um acompanhamento clínico e de reabilitação por médico especializado. Parece óbvio, mas nem o que é óbvio estava garantido.

Em quarto lugar, para além do acesso à pré-reforma, a nova lei prevê mecanismos de reconversão profissional para os bailarinos da CNB sempre que o bailarino não consiga mais exercer a sua atividade, ou então aos 45 anos . Esse mecanismo de reconversão passa, nomeadamente, pela possibilidade, de - com o acordo do próprio e sem perda de direitos - pôr ao serviço de outros organismos do Estado nomeadamente educativos e culturais, as competências e experiência dos bailarinos.

Em quinto lugar, a lei consagrará um mecanismo especial de qualificação profissional, capaz de creditar a experiência profissional do bailarino ou bailarina para prosseguir estudos e obter a licenciatura em dança. Prevê ainda que se lhes aplique o regime especial de acesso ao Ensino Superior que já existe para os atletas de alto rendimento.

Uma medida de elementar justiça para quem começou cedo, se dedicou exclusiva e intensamente à dança, se profissionalizou precocemente, e, quando se vê forçado a parar, enfrenta as dificuldades que resultam deste percurso.

A aprovação desta lei sobre o desgaste e a reconversão dos bailarinos acontece cerca de um mês depois de termos conseguido aprovar, nesta Assembleia, o reconhecimento do desgaste rápido para os trabalhadores das pedreiras e para os trabalhadores das lavarias das minas.

No passado domingo, estive em Perozêlo com a Catarina Martins e a Maria Manuel Rola, num almoço que juntou centenas de trabalhadores das pedreiras do Marco e de Penafiel, e para o qual nos convidaram. Como no caso dos bailarinos, reconhecer a especificidade deste trabalho, reconhecer o desgaste desta profissão, num setor onde se morre cinco vezes mais do que a média em resultado de acidentes profissionais, foi um ato de justiça, uma das medidas de que mais podemos orgulhar-nos nesta legislatura.

Em Portugal, há demasiada gente a trabalhar em condições penosas, com salários baixos, horários demasiado longos, sem a proteção que merece, sem ser valorizado no que faz.

O bom exemplo da exigência dos trabalhadores das pedreiras, das lavarias, dos bailarinos, confronta-nos com a exigência de outros trabalhadores. Não esquecemos que este Parlamento discutirá em breve o reconhecimento do desgaste e da antecipação da idade da reforma para os trabalhadores com deficiência.

E não esquecemos que estão a ser discutidos neste Parlamento, há cerca de dois anos, projetos para reconhecer o desgaste e a penosidade do trabalho por turnos.

São quase 800 mil pessoas que trabalham por turnos nos transportes ou no comércio, nos call centres ou na indústria, nas comunicações ou na hotelaria. Trabalham por turnos, com o sono escangalhado, sem conseguir acompanhar devidamente os filhos, sem saber quando têm fim de semana, com a vida em contra-relógio.

Responder a esses e a essas trabalhadoras tem de ser, agora, a prioridade. É para o Bloco uma prioridade e queremos que seja uma prioridade maioritária.

Declaração na Assembleia da República a 19 de dezembro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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