Num semestre, a banca já ganhou mais do que todas as receitas que teve há um ano. Ao mesmo tempo que mantém baixas remunerações nos depósitos, beneficia enormemente com a subida das taxas de juros nos créditos, à boleia das decisões do Banco Central Europeu. O disparo da Euribor atinge diretamente 1,4 milhões de famílias com empréstimos com taxa variável (mais de 90%). Desde janeiro do ano passado, a prestação da casa já subiu mais de 70%. Basta pensar num crédito de 150 mil euros, pago a 30 anos. No último ano e meio, uma prestação de 343 euros mensais passou para 789 e vai ultrapassar os 800 nos próximos meses. Em 2024, o aumento total pode chegar aos 85%. É incomportável para quem vive com dinheiro contado ou tem um salário médio.
Contra as evidências de que a inflação não resulta do aumento da procura nem de uma escalada salarial, a responsável pelo BCE insiste no empobrecimento como resposta à subida de preços. Estas escolhas de uma “economia que mata”, para usar a consagrada expressão do Papa Francisco, estão a tornar-se uma desgraça para quem comprou casa com recurso a empréstimo.
Mas são uma verdadeira mina para a banca. 75% do valor das prestações são juros, não servem para amortizar o capital em dívida. Os aumentos da Euribor traduzem-se em lucro direto para o sistema financeiro. Por isso, os maiores bancos tiveram no primeiro semestre deste ano uma margem financeira global de mais de 4 mil milhões, o dobro do mesmo semestre do ano passado. O lucro do BCP é de sete vezes mais. A banca que recebeu dos contribuintes mais de 26 mil milhões de euros entre 2012 e 2020, já lucrou dois mil milhões a mais nos últimos meses, à custa dos mesmos que foram chamados a “ajudar” o sistema financeiro com os seus impostos. É escandaloso e imoral.
Que os bancos sejam sanguessugas não é novidade. Mas é nestes momentos que a subordinação do poder económico ao poder político, que a nossa Constituição prescreve, tem de ser para levar a sério. O BCE não é eleito, está fora do perímetro da democracia, embora tome decisões que nos afetam a todos. A senhora Lagarde não aceita prestar contas ao Parlamento, mas o Governo está obrigado a fazê-lo. Só que as medidas de mitigação apresentadas (a bonificação do encargo com juros, a possibilidade de resgatar sem custos os planos de poupança para abater no crédito à habitação ou a suspensão de comissões para a amortização antecipada) não resolvem o problema e estão longe de responder à aflição de quem não tem dinheiro e está a ser esbulhado.
Limitem-se os juros, obrigando que os bancos os baixem. Imponham-se regras que não permitam que a prestação vá além da taxa de esforço recomendada. Taxem-se estes lucros extraordinários. O que está a acontecer é insustentável e revoltante. Cruzar os braços face ao poder da banca é abdicar do cuidado pelo bem comum. O conformismo do governo sobre a raiz deste problema é uma abdicação da democracia.
Artigo publicado em expresso.pt a 2 de agosto de 2023
