Nos últimos meses, o país assistiu, aflito, à multiplicação de casos que nos falam de um nevoeiro. Quem tinha dúvidas sobre como uma maioria absoluta pode ser a pior das soluções, dissipou-as em cada dia.
Na desgraça de um secretário de Estado que manda pagar pelo que não existe, no vício das indemnizações sem olhar a quem, na novelesca perseguição a um computador extraviado, vemos uma bruma de poder e abuso.
Vemos e não acreditamos. O que falta a este governo? Uma maioria absoluta no parlamento, a promessa dourada do PRR, a deferência do Presidente da República, uma direita desorganizada? O que mais falta ao PS e a António Costa?
E não. A fraqueza do governo não mora apenas na arrogância de um primeiro-ministro em pose, porque a economia vai bem e o que o SIS faz é lá com eles. Há mesmo um regime de privilégios que corrói e desgasta a democracia, abrindo portas aos interesses de quem lucra com a neblina e o nepotismo. Um regime que contamina e autoriza a mentira como forma de governo. Esse regime tem hoje um nome: maioria absoluta.
É por isso que levar o país a sério é saber que não há dois governos. Não há, de um lado, um governo que gaba as contas públicas mas falha em resolver os problemas de uma inflação que encurta o salário, de uma especulação que nos retira as casas, de uma inação que enfraquece os serviços públicos e, do outro, um governo que se enreda em escândalos, numa negligência sem fim.
Erra quem vê na política dos casos mais uma cena do conto dos dois governos. O que importa, sim, é a defesa do salário, da casa e dos serviços públicos. Mas um governo fraco e capturado é um governo que não responde aos problemas das vidas das pessoas. A esquerda não merece confiança se não denunciar o pântano como o perigo à navegação política.
Erra, também, quem afirma que o papel da esquerda é servir de contrapeso nas ruas a uma extrema-direita que ameaça disputar o espaço de contestação mas soma fracassos de mobilização a cada semana. O papel da esquerda não é equilibrar a balança a um centro que se afunda em descrédito.
O poder da maioria absoluta é nefasto e todas as oportunidades são poucas para consolidar uma alternativa. Por isso, a esquerda tem que ser frontalmente contra este regime de privilégios e apresentar-se com uma garantia na defesa dos direitos das pessoas (as sondagens confirmam o Bloco de Esquerda como essa referência popular). Para tal, precisamos de mais lutas e menos equívocos.
