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Nem tudo está bem no Reino da Dinamarca

A Dinamarca e os seus vizinhos escandinavos ocupam há muito o pódio do desenvolvimento, da qualidade de vida e, segundo alguns estudos, até da felicidade. Porém, as notícias que nos têm chegado do Norte apontam para que nem tudo esteja bem no reino da Dinamarca.

O governo de Lars Løkke Rasmussen da, direita liberal e conservadora, passou no parlamento um pacote legislativo anti-refugiados, ignorando a preocupação da ONU. O que se passa, então, no reino da Dinamarca?

Desde 2011 que Helle Thorning-Schmidt estava à frente do governo dinamarquês, um governo de coligação entre sociais-democratas, socialistas e sociais-liberais, com apoio parlamentar do Enhedslisten (junção do antigo Partido Comunista Dinamarquês, Partido dos Trabalhadores Socialistas e da Esquerda Socialista, conhecido também por “Aliança Vermelha-Verde” devido à sua corrente ecologista). Acontece que o governo de Thorning-Schmidt foi perdendo o apoio destes últimos, aproximando-se de Rasmussen para passar legislação.

As legislativas de junho de 2015 refletiram a viragem que já se adivinhava: apesar de Thorning-Schmidt ter obtido a maioria dos votos, ao segundo e ao terceiro lugar chegaram dois partidos de direita: o Partido Popular Dinamarquês (Dansk Folkeparti) e Venstre. A esquerda perdeu as eleições e o líder do terceiro partido mais votado, Lars Løkke Rasmussen, que tinha sido primeiro-ministro antes de Thorning-Schmidt, forma um governo sustentado pelo Partido Popular (que obteve 21% dos votos), mediantes condições por este impostas, nomeadamente a restrição da imigração, o controlo de fronteiras e uma postura menos europeísta quanto à UE, seguindo a linha eurocética do Partido Popular.

O pacote legislativo preparado pelo governo de Rasmussen foi anunciado em novembro de 2015 e desde então que a esquerda dinamarquesa se bate por denunciar o plano do governo: afugentar quem quer que seja que procure asilo na Dinamarca, desrespeitando direitos humanos, e a Convenção de Genebra. Para isso, o governo já publicou anúncios em jornais de países com campos de refugiados sobrelotados, como no Líbano, informando que a sua política de asilo não é generosa. Outras medidas incluem a permanência de refugiados em tendas, sujeitos a temperaturas negativas. Agora, prepara-se para pôr em prática o famoso diploma, dando o golpe final no que toca a afugentar quem procura asilo. A proposta L87 foi aprovada com 81 votos favoráveis e 27 contra e instaura o seguinte:

Uma espera de 3 anos para reunificação familiar de quem se encontra na Dinamarca sob proteção temporária;

Vistos de residência permanentes só são concedidos a quem viva legalmente no país há pelo menos quatro anos e que preencha certos requisitos, inclusive autonomia financeira. Assim, por exemplo, um jovem refugiado que pretenda ficar na Dinamarca tem de se autonomizar financeiramente, o que implica o abandono dos estudos, visto que não tem direito a apoios sociais de incentivo ao estudo, como têm todos os cidadãos dinamarqueses sem exceção;

A polícia está autorizada a revistar quem pede asilo na Dinamarca e a confiscar bens que paguem a sua estadia no país. Bens de valor sentimental são poupados, porém, não foram delineados critérios para a classificação destes mesmos bens;

Quem pede asilo tem obrigatoriamente de viver em centros de acolhimento, condenando crianças que cheguem à Dinamarca à exclusão social;

Quotas de refugiados mediante o seu “potencial de integração”: seleção arbitrária de quem entra, “conforme o que mais beneficia a sociedade dinamarquesa”, citando a Ministra da Integração e Habitação;

Cobrança de taxas nos pedidos de residência permanente e de reunificação familiar.

O diploma L87 sofreu já fortes críticas populares, especialmente nos grandes centros urbanos de Copenhaga e Aarhus, onde a população se tem dedicado a ajudar quem pede asilo, ocupando e recuperando edifícios antigos para os acolher, por exemplo. É nas regiões rurais que a direita e a extrema-direita dinamarquesa encontram um enorme apoio, especialmente no Sul da Jutlândia, onde o nacionalismo dinamarquês aumenta conforme a proximidade à fronteira alemã. O discurso anti-Islão e nacionalista do Partido Popular Dinamarquês alia-se, agora, ao discurso dos conservadores liberais e do Partido Social-Democrata centrado na proteção do Estado Social dinamarquês, defendendo um “equilíbrio entre economia, Estado Social e valores”, como disse a Ministra da Integração e Habitação no parlamento, Ingrid Støjberg.

É urgente travar o crescimento da popularidade desta retórica, centrando o discurso no esforço concertado e coletivo, naquele que deveria ser o espírito de cooperação europeu, de forma a lidar com o fluxo migratório e a evitar o crescimento da xenofobia na Europa. É perigosa a apropriação de bandeiras como a do Estado Social para mascarar nacionalismos discriminatórios. Para já, é necessário que a Europa não feche os olhos ao plano do governo dinamarquês.

Sobre o/a autor(a)

Ativista anti-propinas, bolseira de investigação e dirigente do Bloco de Esquerda.
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