Em 1970, por cada 1000 crianças nascidas, 25,4 morriam durante o primeiro mês de vida; em 2021, a taxa de mortalidade neonatal é de 1,7. Esta notável progressão deve-se ao 25 de abril e à criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que veio alargar a todo o território a prestação de cuidados médicos à mulher grávida e puérpera, bem como ao/à recém-nascido/a.
O SNS e a sua capacidade de resposta trouxeram-nos a um cenário em que nos parece inconcebível que uma mulher possa morrer por causa de uma gravidez e/ou durante o parto. Em 1970, em cada cem mil nascimentos morriam 73,4 mulheres (taxa de mortalidade materna). A solidificação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) trouxe cuidados cada vez mais próximos e diferenciados, nos centros de saúde e nos hospitais.
A carta dos direitos e deveres dos utentes dos serviços de saúde (Lei n.º 15/2014, de 21 de Março) estabelece um conjunto de direitos, entre os quais a prestação de cuidados na preconceção, bem como durante a gravidez. Define que a mulher grávida tem direito a “atribuição de médico de família, ou, no caso de tal não se revelar possível, o acesso prioritário à prestação de cuidados de saúde”. Estipula também que os serviços “devem assegurar as condições para que a mulher grávida realize as consultas e os exames necessários” garantindo “uma referenciação planeada, célere e eficaz, para outro serviço de saúde mais diferenciado” caso a avaliação do risco pré-natal assim o determine.
Os pressupostos estão corretos. Mas cada vez mais embatem em dificuldades para a sua concretização. Num cenário em que mais de um milhão de pessoas não tem médico de família, não basta boa vontade para conseguir dar resposta a todas as prioridades de atendimento. É mesmo preciso ter médicos/as e enfermeiros/as para acompanharem as grávidas nos centros de saúde. Extenuar os profissionais do SNS com cargas imensas de trabalho não resolve o problema de falta de trabalhadores; só sobrecarrega e desmotiva os que já lá estão.
De acordo com a Direção Geral de Saúde, (Norma 023/2011) uma mulher grávida deverá efetuar três ecografias durante a gravidez: a do primeiro trimestre (entre as 11 e as 13 semanas e seis dias de gestação), a do 2º trimestre (entre as 20 e as 22 semanas) e a do 3º trimestre (a realizar entre as 30 e as 32 semanas de gestação).
Estas ecografias devem ser feitas em hospitais do SNS, sendo realizadas por obstetras com competência para efetuar ecografias obstétricas diferenciadas. Existem cerca de 250 profissionais com esta diferenciação em todo o país, um número suficiente para as necessidades, de acordo com a Ordem dos Médicos. Mais uma vez, o problema está na prática: nos últimos meses, diversos hospitais, entre os quais o Hospital de São João no Porto ou o Hospital de Braga, deixaram de realizar as ecografias do segundo trimestre. Nestes casos, as mulheres têm que procurar uma entidade convencionada com o SNS que realize a ecografia. E tal afigura-se francamente difícil. Aliás, a informação relativa aos centros convencionados deveria estar disponível na página do SNS mas, não está.
Uma pesquisa nas páginas das diferentes Administrações Regionais de Saúde (ARS) permite-nos constatar, por exemplo, que as ARS do Algarve, do Alentejo e do Centro não identificam nenhuma instituição que faça estas ecografias.
Na área de abrangência da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, Santarém e toda a região do Oeste não têm nenhuma entidade convencionada; Setúbal tem três e Lisboa tem oito. No que diz respeito a ARS do Norte, há apenas uma entidade a fazer ecografias obstétricas no distrito de Braga e outra para todo o distrito do Porto.
Perante isto, não é difícil uma mulher grávida sentir-se desamparada: sem médico de família, sem consultas hospitalares, com dificuldade em marcar as ecografias do segundo e terceiro trimestre em entidades convencionadas com o SNS, com dificuldade em conseguir agendar as ecografias com obstetras qualificados para tal, sem saber se o serviço de obstetrícia do hospital da sua zona vai estar a funcionar quando entrar em trabalho de parto.
Nascer no SNS é uma conquista determinante da nossa democracia. Nunca como agora foi tão importante lutar pelo SNS e pelos seus profissionais. Mais SNS não se consegue fechando maternidades, reduzindo a capacidade de resposta ou encaminhando serviços que devem ser assegurados pelo SNS para o setor privado, ficando refém dos seus preços e condições. Mais SNS consegue-se com investimento, carreiras profissionais, dignidade, horários decentes, respeito por quem trabalha no SNS e todos os dias dá o melhor de si para assegurar cuidados de saúde a todas as pessoas por igual.
