A Greve Feminista é uma proposta do movimento feminista internacional, o qual convoca uma greve de mulheres como forma de protesto perante as situações de precariedade e violência que atravessam as nossas vidas. Tem a sua origem nas manifestações das mulheres polacas em defesa do direito ao aborto e das mulheres argentinas contra a brutalidade dos femicídios e das violências machistas, uma resposta ao grito “ni una menos, vivas nos queremos”.
Este apelo espalhou-se como rastilho de pólvora e, em 2017, a convocatória passou a abranger todo o planeta. O seu âmbito internacional tem que ver com o caráter estrutural dos problemas que enfrentam as mulheres, as formas de opressão e exploração derivadas do capitalismo nesta fase neoliberal e a sua vinculação com o patriarcado, tendo sempre em conta as particularidades de como este se manifesta em cada contexto social, cultural e político.
A Greve Feminista não é uma greve como as outras, é uma greve social, que coloca no centro a realidade da vida das mulheres, para perceber o significado do conceito “trabalho” — que é diferente de emprego — na vida concreta. Se as greves tradicionais deixam de fora uma parte significativa da experiência das mulheres, a Greve Feminista transcende esse sentido tradicional, estendendo-se também ao âmbito da reprodução social, aos trabalhos invisibilizados dos cuidados e domésticos. É uma greve que se organiza em quatro eixos fundamentais: greve ao trabalho assalariado, greve ao trabalho doméstico e dos cuidados, greve ao consumo e greve estudantil.
A convocatória da greve resulta num enorme processo de mobilização e debate social. É uma proposta para responder às urgências criadas pela desigualdade e uma proposta de mudança social profunda, que fala de outro modo de vida, de outras relações entre homens e mulheres, de um mundo sustentável social e ecologicamente, e por isso dispara, necessariamente, sobre o sistema capitalista e patriarcal.
É um apelo dirigido às mulheres, no qual, obviamente, os homens têm um importante papel. Em primeiro lugar, respeitando a convocatória e facilitando a greve das mulheres. Em segundo lugar, porque não poderia haver uma greve de mulheres ao trabalho dos cuidados se os homens não tivessem uma participação ativa. Param as mulheres, mas há pessoas que a toda a hora precisam de ser cuidadas, por isso os homens são chamados a assegurar esses “serviços mínimos”. O feminismo nunca esteve contra os homens, mas contra o patriarcado, o feminismo é um movimento libertador para mulheres e homens.
É a esta chamada que o movimento feminista em Portugal está a responder, mobilizando, construindo uma rede ativista nacional, colocando na ordem do dia os problemas da desigualdade, da violência e da justiça machista e exigindo respostas. Há quase um ano que estamos implicadas neste processo, porque vivemos num país em que a violência de género está naturalizada, em que continuamos a morrer às mãos de homens violentos, em que os e as jovens não reconhecem comportamentos tipificados como violência.
Continuamos a enfrentar tribunais nos quais juízes preconceituosos e machistas nos responsabilizam pelas violências que sofremos, invocam a Bíblia e o adultério, a “sedução mútua” e censuram as nossas escolhas de vida para desculparem os agressores. Trabalhamos 58 dias sem receber, porque os nossos salários — para trabalho igual ou equivalente — são mais baixos do que os dos homens quase 16%.
Somos o maior contingente de pessoas a ganhar o salário mínimo e o maior número das beneficiárias do Rendimento Social de Inserção e do Complemento Solidário para Idosos. Somos o rosto da pobreza e assim continuaremos se nada for feito.
Descansamos pouco e não temos direito ao lazer, porque acumulamos o trabalho assalariado com o trabalho doméstico e dos cuidados. Em média, trabalhamos 4h30 por dia em tarefas domésticas e do cuidado, quase mais duas horas diárias do que eles. Feitas as contas, são mais de três meses de trabalho gratuito, desvalorizado e invisibilizado, mas absolutamente fundamental para a sociedade funcionar. Somos objetificadas e mercadorizadas, negam-nos o conhecimento da nossa História e da resistência que sempre construímos.
Temos trilhado um longo caminho na construção desta greve, temos crescido e aprendido, e temo-lo feito juntas. Somos muitas, de vários cantos do país, múltiplas e diversas, somamos razões. No entanto, conseguimos pôr-nos de acordo em questões fundamentais. Elaborámos e aprovámos um Manifesto, fundámos 12 núcleos regionais da Rede 8 de Março — Albufeira, Aveiro, Amarante, Braga, Coimbra, Cova da Beira, Évora, Lisboa, Ponta Delgada, Porto, Viseu, Vila Real — e trabalhamos solidariamente e em articulação todos os dias. Desafiámos o movimento sindical para que se juntasse a esta greve, porque o reconhecemos como parte fundamental da organização social e porque nós próprias somos também parte desse movimento. Percebemos que, salvo honrosas exceções, o movimento sindical precisa de mais tempo para compreender a justiça das razões desta Greve. Cá estaremos no próximo ano a renovar o apelo à ação conjunta.
No dia 8 de Março não queremos flores, queremos direitos. Em memória das mulheres assassinadas, lado a lado com as sobreviventes, exigindo um outro mundo — justo e sem violência machista —, ocuparemos as praças e as ruas de 12 cidades do país, porque juntas somos mais fortes. Vamos parar, para que se perceba que se as mulheres param, o mundo para. Vivas, livres e unidas. Somos nós, as feministas.
Artigo publicado em publico.pt a 6 de março de 2019