Não é nada comigo

porMaria Luísa Cabral

12 de março 2025 - 16:46
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Não fica bem assacar culpas aos outros pelos seus próprios desaires. É pouco decente, nada ético. E na falta destes princípios, o melhor mesmo é sair da frente. Veja-se o caso do primeiro-ministro quando se vitimiza e não assume a responsabilidade da sua própria conduta.

Tornou-se regra geral esperar em qualquer noticiário ou jornal notícias sobre a falta de saúde do SNS. A involução do SNS é culpa de todos, mais dos interesses apoiados pela direita embora o PS tenha fortes responsabilidades na deterioração do SNS. Quando ganhou a maioria parlamentar e a aproveitou para oito anos de governação, as hesitações e falta de resolução arrastou-nos para o que resta do SNS. Os cidadãos foram sentindo a deterioração, era evidente o empurrar para o privado, primeiro para exames médicos ou análises clínicas, depois mesmo para substituir as consultas e diagnósticos. Os centros de saúde têm fortíssima responsabilidade neste retrocesso quando não se organizaram e quando sugeriam ao utente que procurasse ajuda no privado. No meu centro de saúde houve tempos em que se podiam lá fazer análises, era muito bom, poupava-se o tempo do utente, a logística fluía com maior eficácia, saía mais económico. E se os centros tinham de ter recursos financeiros para este mecanismo, não será verdade que hoje se despende muito mais enviando os doentes para os centros e clínicas privados ou hospitais? Ao fim e ao cabo, o dinheiro que suporta esses exames, pessoal, instalações, provém todo da mesma fonte. Os malabaristas das finanças públicas dirão que as rubricas são diferentes… e os cidadãos a ralarem-se com a diversidade de rubricas!

Desde que este governo tomou posse, a catástrofe abateu-se sobre o SNS. Os directores executivos do SNS já foram substituídos duas vezes, vai no terceiro, ainda não se ouviu. O INEM só dá dores de cabeça à Ministra, enquanto descura as necessidades dos cidadãos. Torna-se difícil acompanhar as desventuras do INEM, atende não atende chamadas, não acode quando mais é preciso, os cidadãos que se aguentem. As administrações dos hospitais tombam em confronto com o ministério, virou complicado seguir as razões quando as demissões acontecem em dominó. O caso do Hospital Amadora-Sintra foi mais clamoroso, a Ministra usou todos os seus argumentos e parece que remediou a situação. Mas é isso mesmo, um remedeio, não há forma de haver uma estrutura organizativa que aguente os hospitais. Mesmo fechando serviços essenciais, o SNS não se reencontra. Como se pode reencontrar desprezando os cidadãos?! Os médicos clamam por revisão das carreiras e remunerações, os enfermeiros continuam insatisfeitos, mas são os doentes que morrem. Na televisão, ouvem-se vozes a pedir organização, será assim tão impossível?! A Ordem dos Médicos intervém (pouco) e não se percebe muito bem porque tanto apoia a Ministra como a critica, fica a ideia de que vai fazendo o seu caminho. Uma estratégia predadora com pezinhos de lã. Sempre que acontece mais alguma coisa fora do comum, lá vem o alvitre que o melhor que a Ministra tinha a fazer era demitir-se, mas infalivelmente ela responde que não tem nada com isso. Ainda não tínhamos ouvido este ardil.

Mas o ainda governo tornou-se perito em tentar passar por entre os pingos da chuva. Veja-se o caso do primeiro-ministro quando se vitimiza e não assume a responsabilidade da sua própria conduta porque não tem nada com isso. Eu diria, neste caso político-pessoal que os restantes membros do Governo que não têm nada com isso, coisa aliás bem expressa na sua atitude e caras quando, portaram-se como uma turma obediente ao ladearem o primeiro-ministro na declaração de sábado. Que raio estou eu a fazer aqui?!

Maria Luísa Cabral
Sobre o/a autor(a)

Maria Luísa Cabral

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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