Não deve haver benefícios fiscais para atrair estrangeiros

porJosé Soeiro

30 de agosto 2025 - 13:55
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Em vez de importar nómadas digitais que trabalham para empresas sediadas fora do nosso território, estancar a fuga dos nossos jovens qualificados; estimular o reagrupamento familiar dos imigrantes e privilegiar quem quer ter uma relação permanente com Portugal.

Num livro escrito no final do século passado, o sociólogo Zygmunt Bauman interpretava as “consequências humanas” da globalização a partir de uma metáfora: a crescente divisão do mundo entre “turistas”, para quem a mobilidade resultava de terem ao seu alcance um mundo global irresistivelmente atraente, e os “vagabundos”, migrantes forçados a saírem do seu local pelo facto de o mundo lhes ser insuportavelmente inóspito. Talvez Portugal assista hoje como nunca a essa divisão. De um lado, é destino de eleição de expats e nómadas digitais, celebrados vencedores da globalização, com salários muito acima dos praticados em Portugal, benefícios fiscais generosos, que desfrutam do sol e de preços, para eles, baixos. Do outro, os imigrantes, que ocupam os empregos pouco qualificados da agricultura, plataformas digitais, construção, restauração, turismo, limpezas ou cuidados, que passam anos a fazer descontos em Portugal sem receberem autorização de residência, cujos salários não pagam mais que um quarto (às vezes por turnos), hostilizados pela retórica das “portas escancaradas” e da “grande substituição”. Entre um grupo e outro estão os portugueses que vivem a crise da habitação, que têm de lidar com a subida de preços nos centros das cidades (acentuada pela presença de estrangeiros mais ricos), que se confrontam com um modelo económico assente em sectores pouco qualificados e emprego precário e que muitas vezes saem do país por não encontrarem aqui oportunidades compatíveis com as suas qualificações e expectativas.

As políticas têm privilegiado os vencedores da globalização

As políticas públicas têm reforçado este desequilíbrio. Para os residentes não habituais com poder económico, uma taxa plana e reduzida de IRS de 20%, num benefício fiscal que em 2024 teve um custo de €1741 milhões. O “efeito de chamada” deste tipo de políticas tem impacto nulo de qualificação da economia, aprofunda a segmentação do mercado da habitação e a inflação dos preços. Ao contrário, para os residentes habituais não existem respostas, por exemplo regulando as rendas ou aumentando substancialmente a oferta pública de habitação. Devíamos fazer tudo ao contrário: em vez de importar nómadas digitais que trabalham para empresas sediadas fora do nosso território, estancar a fuga dos nossos jovens qualificados; estimular o reagrupamento familiar dos imigrantes e privilegiar quem quer ter uma relação permanente com Portugal; intervir para arrefecer o mercado da habitação e fixar trabalhadores através de melhor emprego, salários e contratação coletiva.

Artigo publicado no jornal Expresso a 22 de agosto de 2025

José Soeiro
Sobre o/a autor(a)

José Soeiro

Dirigente do Bloco de Esquerda, sociólogo.
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