Em 2007, depois da crise financeira mundial, os editoriais, sorumbáticos mas a uma só voz, proclamaram que os Estados tinham de pôr mão no capitalismo desregulado, limites à atuação da banca e freio à especulação imobiliária. Nada disso foi feito e portanto sucederam-se colapsos estrondosos (como o do BES), criptomoedas floresceram (e murcharam), paraísos fiscais duraram e houve rédea solta para quem enriquece com habitações.
Mais recentemente, em 2020, os cronistas de fim de ano voltavam a atestar que - agora depois da pandemia - nada voltaria a ser como antes. A “parte boa” da mortandade, diziam, é que mostrou os perigos da globalização sem limites e da dependência de importações a longa distância. Assim, tinha de se rever as regras da economia. E também as dos serviços públicos: as revistas elegiam para “figura do ano” os profissionais dos serviços de saúde que enfrentaram o vírus sem virar costas a ninguém. Dois anos depois, onde vai tudo isso? Pela Europa fora, médicos e enfermeiros lutam contra o desinvestimento na Saúde, ao mesmo tempo que sofrem pesadas perdas salariais por efeito da inflação, enquanto a economia global se concentra em, o mais depressa possível, regressar… ao “pré-pandemia”.
Aqui chegado, o leitor ou a leitora já estará a perguntar que grande lição quero eu fazê-lo engolir ao soar da meia noite. Calma, já lá vamos. Ainda vou chamar aqui a mãe de todos os exemplos - a transição climática, cuja urgência é uma das grandes lições que temos ouvido pelo menos desde 1995, quando se reuniu a primeira COP. Quase três décadas depois, estamos a fechar o ano com as mais elevadas emissões de dióxido de carbono em toda a história da humanidade.
Se pensa que a “grande lição” que lhe trago é que “desta vez é que tem de ser”, enganou-se. Não será desta vez, nem sequer da próxima, quando a tal cimeira se reunir num país chamado Emirados Árabes Unidos, uma ditadura corrupta que é dos maiores exportadores de combustíveis fósseis. Se tudo correr de acordo com o plano dos lóbis, estaremos daqui a um ano a lamentar os “pequenos passos” da COP28. Também não será "desta vez" que o governo compreenderá que o país não quer excedente orçamental se não puder ir a uma urgência que funcione. Nem será agora que António Costa, ex-presidente da Câmara da capital e primeiro-ministro de um país sob crise imobiliária, reconhecerá que há um problema de habitação nas grandes cidades e que a sua política está na origem desse problema.
O artigo está a terminar e, para que outro ano comece, devo apresentar agora a grande lição que, se me leu até aqui, certamente já adivinhou: não basta tirar “grandes lições”, é preciso impor as suas consequências. Impô-las aos ganhadores que concentram a riqueza, aos lóbis que os representam e aos políticos que se deixam corromper por eles, impô-las aos governos incapazes de assumir evidências e lidar com mudanças. E impô-las por nós próprios, assumindo responsabilidades de cidadania e luta num mundo ameaçado. Talvez esta lição não seja grande - e certamente não é nova. Mas é mesmo a única que pode levar-nos de anos velhos a anos novos.
Artigo publicado no semanário O Regional, de São João da Madeira
