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Na saúde, por quem bate o coração do PS?

O sonho dos Mello ou da Luz Saúde é que não haja uma única lei em Portugal que determine a gestão exclusivamente pública do SNS, uma via verde para as PPP.

Se a discussão da nova Lei de Bases da Saúde culminasse nas posições do PS dos últimos dias, os grupos privados de saúde deste país poderiam começar a abrir as garrafas de champanhe.

O sonho dos Mello ou da Luz Saúde é que não haja uma única lei em Portugal que determine a gestão exclusivamente pública do SNS, uma via verde para as PPP. E foi apenas isso que o PS conseguiu até agora. A teimosia do Partido Socialista em impor PPP’s numa Lei de Bases que diz querer aprovar com a esquerda é um caminho irresponsável que só pode agradar aos privados.

Esses certamente não acalentam qualquer dúvida sobre a coerência do Bloco de Esquerda na defesa do SNS e na lealdade ao projeto de Lei de Bases assinado por João Semedo e António Arnaut. Alinhado com os privados, PSD também não têm dúvidas sobre de que lado estamos, e por isso diaboliza a nossa proposta de lei de bases e Rui Rio não esconde a vontade de negociar outra com António Costa.

Só o PS parece querer alimentar publicamente a ideia de que é possível aprovar com a esquerda uma proposta que inclua PPP’s. O risco de querer sol na eira e chuva no nabal é provocar o adiamento ou a aprovação de uma lei à direita, como ficou à vista de todos com o resultado das votações indiciárias.

A insistência por parte do PS numa redação que sabia ser inaceitável para a esquerda levou à eliminação de qualquer referência a PPP’s do projeto de lei de bases. Caiu a “Base 18” mas isso não quer dizer o fim das PPP’s. O Partido Socialista sabe perfeitamente que há uma base legal à parte que permite a sua continuação, um decreto-lei de 2002 assinado por Durão Barroso.

Reside aqui o principal embuste de António Costa na narrativa que encontrou para justificar o abandono das posições de António Arnaut sobre esta matéria. O PS afirma querer uma nova lei de bases porque a atual protege os privados. Mas não é a lei de bases quem autoriza PPP’s, são os governos. O que é preciso é uma lei de bases que defenda o SNS dos governos que querem proteger os privados. E só há uma maneira de o fazer: proibi-las.

Foi isso que 150 pessoas tentaram explicar ao Primeiro Ministro numa carta aberta assinada pela ex-ministra da Saúde, Ana Jorge, e dezenas de outros médicos, como Daniel Sampaio, José Manuel Silva (ex-bastonário da Ordem dos Médicos) e Júlio Machado Vaz, e outros nomes como Ana Gomes, Ana Benavente, Frei Bento Domingues, São José Lapa ou Jorge Silva Melo.

Afirmava-se nessa carta, com toda a razão, que as parcerias público-privadas na saúde “configuram um inequívoco conflito de interesses entre quem opera no mercado dos cuidados de saúde e gere simultaneamente estabelecimentos do setor público” e, nesse sentido, a gestão dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) deve ser sempre pública. É por isso que o Bloco de Esquerda exige a revogação do decreto de 2002 como uma das formas para resolver o impasse negocial em torno da Lei de Bases. Outra seria o PS aceitar a redação que impõe a gestão pública do SNS. Mas em caso algum o Bloco de Esquerda contribuirá para uma legislação que permita e promova os interesses privados à custa do SNS. Afinal, isso é o que já temos agora e para tão pouco não seria necessário uma nova Lei de Bases.

Felizmente, o processo de discussão e votação da Nova Lei de Bases ainda não está fechado. Rumores à parte, é prudente aconselhar os Mello a não abrir ainda o champanhe. Há muitos socialistas no país que não gostariam de ver o PS perder esta oportunidade para abraçar um dos desafios mais importantes desta legislatura: defender o SNS e cumprir o sonho de Arnaut. Veremos por quem bate o coração do PS.

Artigo publicado no jornal “I” a 20 de junho de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
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