Está aqui

Na despedida do Mário Lindolfo

O Mário Lindolfo, grande intérprete do tumulto da vida, deixou-nos com o “Bairro Negro”, ontem, aos 72 anos.

Ele entrou como uma brisa fresca, uma bela voz, doce e poderosamente suave, uma voz de riso mas sem se rir e, de repente, um vendaval de criatividade e humor crítico, uma funda sensibilidade disfarçada de ironia por vezes mordaz, tomou conta da conversa.

Com o Mário Lindolfo a música passou a ser outra, na fabricação dos tempos de antena da UDP. Com ele e com o Alípio de Freitas, seu companheiro a descobrir o melhor da vida guardada nos arquivos da RTP. Dois amigos maiores que o pensamento.

O Alf, (alien life form) que, numa série televisiva, já conquistara o público com o seu ar de peluche intrometido, irrequieto e inconveniente, sempre directo e sarcástico, para quem conheceu os dois uma espécie de alter ego do Mário, foi quase imposto por ele ao nosso m-l canónico e transformou-se num achado que marcou a campanha eleitoral de 1985.

Era o Alf ,com as suas falas legendadas e tomadas a propósito, o implacável crítico do Cavaco depois deste ter ido fazer a rodagem ao carro e se preparava para vencer as legislativas e dar início efectivo à recuperação voraz dos momentaneamente desapossados “Donos de Portugal”.

Mário Lindolfo e Alípio de Freitas realizaram o melhor documentário – “digo eu”, como costumava dizer o Mário – existente à superfície da terra sobre o 25 de Abril e o PREC, e as suas raízes no pensamento socialista que ilustrou e apaixonou os nossos tão citados maiores, desde Antero de Quental, José Fontana, Eça de Queiroz, em última instância a Tertúlia Ocidental. E de como fomos desaguar na alacridade pífia, rasteira e predadora da filosofia do mercado que inspirou Cavaco, seus sequazes e os sociais democratas do “socialismo democrático” sem eira nem beira, perdidos na morte súbita da sua doutrina codilhada pela terceira via, aliás não havia outra para poderem continuar a trabalhar de mãos dadas com o capital, na nova fase da doutrina do choque.

Esse magnífico documentário chama-se “À Procura do Socialismo” e foi produzido pela RTP. Lindolfo e Alípio desesperaram de o ver publicado. E foi a UDP quem, na comemoração de um seu aniversário o deu ao mundo, na videoteca do Largo do Calvário! homenageando esses dois grandes do jornalismo empenhado na transformação da vida da comunidade. Tempos depois a RTP mostrou-o a uma daquelas desoras em que já não se assustam os meninos e pode ser dispensada a bola vermelha. “À Procura do Socialismo” assegura-nos que a organização popular é a mãe de todas as coisas.

Agora, pronto, o Mário Lindolfo, grande intérprete do tumulto da vida, deixou-nos com o “Bairro Negro”, ontem, aos 72 anos.

Ficamos com a sua memória querida e os frutos do seu trabalho de excelência como jornalista, documentarista e grande repórter.

Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)