Está aqui

Museus, museus, para que vos quero?!

Os museus, todos os museus, são lugares de património. Património e memória. É preciso muita seriedade para não banalizar estes conceitos contribuindo para a sua desvalorização e descrédito.

Logo após o 25 de Abril, mal o Forte de Peniche foi aberto ao público, cuidei de visitar o local. Lembro-me como foi uma visita sentida. O lugar mete respeito pela sua história, dimensão e peso. O conhecimento das duras histórias ali vividas pelos presos antifascistas, o terror que o edifício representava, tornou absolutamente obrigatória a visita assim que foi possível. Na altura, foi decepcionante. Nada tinha sido preparado para ser aberto, a visita não tinha explicações, deambulava-se pelos poucos espaços então abertos, entre os quais o parlatório, a visita era curta, sem orientação. Fisicamente, estava abandonado, sem nenhuma reparação, sinistro. As preocupações no pós 25 de Abril, porém, eram outras e percebia-se que ainda não chegara a oportunidade do Forte.

Passaram-se décadas. Discutiu-se o futuro do Forte e a hedionda e ridícula ideia de explorar comercialmente o espaço com uma unidade hoteleira foi à vida, não vingou. Tivesse avançado e seria uma vergonha. Foi então nomeada uma comissão para pensar no destino daquele espaço. Ignoro as voltas que foram dadas, o que nos interessa é que foi anunciada a abertura do Forte como Museu Nacional da Resistência e Liberdade. Uma decisão adequada e indispensável. Recentemente, vi o anúncio que o MNRL estava aberto, consultei o respectivo site, organizei-me e voltei ao Forte 44 anos depois. Tremenda e inesperada decepção.

Começo pelo site, lentíssimo e com informações desactualizadas. Importa? Claro que importa porque a informação, não sendo clara, é enganadora. No site avisava-se que para visitar o Forte precisaria marcar; usei o endereço electrónico disponível. Vá lá, responderam-me, para informar que afinal a marcação é desnecessária embora as visitas só aconteçam entre 4ª e domingo da parte da tarde.

O horário é inexplicável, o MNRL devia ter um horário normal, ainda por cima no Verão quando o número de visitantes é tendencialmente mais elevado. Talvez a explicação fosse falta de pessoal, pensei enquanto metia pés ao caminho.

As críticas são inevitáveis. Primeira, sim, é falta de pessoal (do Ministério da Cultura). Ora aí está, uma fragilidade inaceitável, uma situação indesculpável. O Ministério tem por obrigação assegurar o pleno funcionamento das instituições, estas não podem viver num equilíbrio difícil, a tapar buracos.

Segunda, o MNRL não está a funcionar em pleno. O que se visita é exactamente o mesmo que se visitava em 1975-76! Os espaços ao ar livre, uma vista das celas pelo exterior (sem nenhuma explicação), mesmo a capela fechada, o Fortim sem nenhuma indicação, o parlatório. Pedi um esclarecimento. Ah, não, visitas das celas e doutros espaços talvez lá para 2024 se as obras estiverem feitas. Não vi ninguém pedir esclarecimentos mas a fila de gente para ver o parlatório era considerável (na véspera teria havido 1000 visitantes). Tudo ordeiro a aceitar o pouco que é oferecido. Mesmo da exposição organizada em 2019 (de que resta o guia) só ficou um cartaz perdido junto a uma parede. Nem para o remover houve algum cuidado.

O Forte de Peniche é um local de memória tratado sem respeito pelo passado e pelo futuro. O Ministério não assumiu as responsabilidades que lhe cabem

O que significa isto? Não é uma exigência vã da minha parte. Estas pessoas vêm ao Forte atraídos pela história do local, se lhes é mostrado uma parte mínima do Forte (ainda por cima sem explicação) com vista deslumbrante sobre o mar, banaliza-se o local, não se faz jus à história, desacredita-se o horror que ali se viveu, as pessoas são levadas a pensarem “afinal, tanto barulho para nada”. Uma caricatura, um verdadeiro assassinato sobre a nossa história mais recente. O Forte de Peniche é um local de memória tratado sem respeito pelo passado e pelo futuro. O Ministério não assumiu as responsabilidades que lhe cabem, cada visitante deambula como pode, não percebe o interesse do local, não há nenhum folheto gratuito explicativo, as expectativas à entrada saem frustradas. Mais grave, perante a falta de informação, os visitantes (aos milhares) menos avisados guardarão uma ideia enganadora sobre o local, o momento, a história. Um péssimo serviço à causa da democracia e da liberdade.

Sobre o/a autor(a)

Bibliotecária aposentada. Activista do Bloco de Esquerda. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
(...)