Mulher, não é propriedade

porSerafim Duarte

19 de junho 2016 - 17:03
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Como professor e cidadão preocupa-me a educação dos nossos jovens. Pois que, cerca de 25% dos jovens acredita que a violência no namoro é normal.

No Estado Novo salazarista, a mulher, de acordo com uma longa tradição milenar, materializada na lei, encontrava-se menorizada não apenas nos seus direitos cívicos, como também nas suas capacidades de autodeterminação, totalmente submetida à autoridade do marido, considerado “chefe de família”, a quem competia representá-la em todos os assuntos da vida conjugal comum.

À mulher, não se reconhecia idoneidade para coisas tão simples como viajar para o estrangeiro, celebrar contratos e administrar bens, sem o consentimento do marido. Tão pouco lhe era permitido o acesso a certas profissões ou exercer cargos de chefia administrativa1. O Código de Processo Civil mantinha a mulher numa situação de menoridade civil. Caso abandonasse o marido este tinha o direito de requerer judicialmente a sua entrega no domicílio.

Quarenta e dois anos de democracia, e muitos mais de lutas feministas, ainda não foram suficientes para reformatar atitudes e mentalidades, sedimentadas num longo lastro de tradição patriarcal e domínio machista que, na prática, persistem em manter a mulher acorrentada, se não à autoridade do homem, pelo menos ao seu “direito de propriedade” que lhe confere poder, de vida ou de morte, sobre ela.

Só assim, se entende a brutal violência sexista que continua a ser exercida sobre as mulheres, por homens que, sentindo-se “enciumados”, “despeitados”, frustrados, ou, pura e simplesmente, não correspondidos nos seus desejos afetivo-sexuais, se sentem no direito de pôr fim à vida de mulheres com quem, de uma forma ou de outra, se relacionaram afetiva e sexualmente e sentem como propriedade sua. Não raras vezes, surge a autojustificação do criminoso: não és minha, não serás de mais ninguém”.

Cada ano que passa cresce a longa lista de vítimas da brutalidade machista. Na última década, registaram-se mais de 400 feminicídios e largas centenas de outras tantas tentativas, mais ou menos frustradas. Por vezes o criminoso tenta o suicídio, mas frequentemente, “falha” nos seus intentos. A mão firme do assassino treme, fraqueja e acobarda-se quando se trata de pôr fim à sua própria vida.

Como professor e cidadão preocupa-me a educação dos nossos jovens. Tendo em conta dados recentemente divulgados pela UMAR muito trabalho há a fazer, no sentido de educar os nossos jovens para a não-violência de género, e o respeito pelo outro. Pois que, cerca de 25% dos jovens acredita que a violência no namoro é normal. Cerca de 10% dos jovens já foram vítimas de violência psicológica e 5% já foram vítimas de violência física ou de violência sexual.

São números que nos devem preocupar, pelo potencial de violência nas relações de intimidade que representam.


1 O regime salazarista impediu o acesso das mulheres às magistraturas judiciais e à chefia na administração local. Até à revisão do Código Civil em 1967, ainda era exigido o consentimento do marido para que a mulher pudesse exercer profissões liberais ou funções públicas.

Serafim Duarte
Sobre o/a autor(a)

Serafim Duarte

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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