A governação do país, no mandato da estabilidade prometida, tem sido um helicóptero que bombardeia diariamente perda de poder de compra, empobrecimento para quem vive do seu salário, especulação imobiliária que despeja e expulsa, degradação de serviços públicos. Juntamos a isso lamentáveis episódios de tricas internas e jogos palacianos: têm servido para nos desviar do essencial, mas não deixam de ser uma amostra do desgaste das políticas neoliberais levadas a cabo pelo Partido Socialista. Não têm nada de novo a propor, tirando o circo permanente que nos chega pelos jornais e televisões. A extrema-direita agradece o espetáculo e aproveita-se dele, apesar de António Costa continuar a acreditar na sua narrativa que apresenta o PS como o único travão à extrema-direita. É o buraco em que o Governo colocou a dignidade de quem trabalha toda uma vida um dos principais fatores para a ascensão do discurso populista. A tática do medo nunca foi boa conselheira.
Para quem se dedica ao Ensino e Investigação Científica, sabe com o que conta por parte da maioria absoluta. Metade das bolsas de doutoramento em ambiente não académico (empresarial) já a partir do próximo ano – como é bom estagiar ad eternum; os 3% do PIB em Ciência e Tecnologia, para não envergonhar o Governo, mantém-se, mas sempre com novas datas: já foi 2020, já esteve para 2025, agora aponta-se para 2030. Os investigadores contratados a prazo, mais de 2000, estão agora no fim do seu contrato e, nos próximos meses, só uma coisa está sempre assegurada: desemprego ou emigração. O constante passa culpas entre Governo e Universidades é o truque que alimenta a precariedade.
Nunca se publicou tanto estudo científico e nunca a ciência foi tão descartável e destratada como agora
Nas palavras do Conselho de Reitores, só há um modelo possível para a ciência em Portugal: “é na alta rotação” que a produtividade desejada se alcança. E como a pressa é inimiga da democracia, adaptaram paulatinamente as Universidades a lógicas empresariais de gestão. Os estudantes são clientes, os docentes carne para canhão, os investigadores à margem das instituições – a viver de contrários precários assinados com associações privadas sem fins lucrativos montadas pelas reitorias. A internacionalização? Com certeza: exigindo a essas comunidades brutais valores de propinas, às mesmas que o racismo estrutural da sociedade portuguesa marginaliza. Bem-vindos à globalização do Conhecimento na ótica do utilizador-pagador, onde se compra direitos humanos e se exportam explorados.
Constituímos o garante dos ótimos resultados nos rankings internacionais, somos um exército a trabalhar para métricas absurdas que constituem ameaças à liberdade científica. Nunca deixamos de ser os subterrâneos de uma comunidade piramidal onde impera a competição e o abuso. Nunca se publicou tanto estudo científico e nunca a ciência foi tão descartável e destratada como agora. Contra a estratégia da hiperprodutividade, respondemos com sentido de comunidade e modelos alternativos onde o tempo é político e a sua gestão passa pela escolha de novos modelos de pensar, fazer e transformar o mundo através do conhecimento científico. Mudar a Universidade por dentro também serve de laboratório de transformações sociais nas nossas vidas.