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Mobilizar contra a barbárie

Opor tenazmente à “cultura neoliberal” uma cultura democrática, solidária consequente e verdadeiramente socialista, mobilizar contra a barbárie, deverá ser a proposta da Esquerda.

O modelo económico seguido pela maioria dos países do mundo e também no nosso, especialmente depois da troika, é baseado na desregulação do mercado de trabalho, na hiper-exploração dos trabalhadores, na produção intensiva da agricultura, na especulação imobiliária e na destruição dos serviços públicos e do Estado Social.

Em Portugal, copiando o que se passa fora, tem sido este o papel assumido pelos liberais e sociais -democratas, com um ligeiro sobressalto no período da geringonça, entre 2015 e 2019, em que foi tentado, por pressão da esquerda, repor os rendimentos perdidos pelos trabalhadores e pensionistas.

Hoje, porém, há uma sucessiva degradação das condições de vida dos trabalhadores, com baixos salários, a proletarização da classe média e a consequente busca de melhores condições no estrangeiro, em simultâneo à utilização de mão-de-obra migrante em situações miseráveis de remuneração, de apoio social e de alojamento, rondando uma quase escravatura.

O incentivo à produção agrícola de caracter intensivo, sobretudo no Sul do país, com olival, amendoal e produção de frutos exóticos para exportação, é outra incongruência do capitalismo dos nossos dias. Estas produções agrícolas implicam uma grande utilização de água, num país que atravessa uma seca severa e fenómenos de desertificação, sobretudo a Sul, e que não cuida de assegurar alguma autonomia alimentar.

Portugal vive um turismo desregulado, massificado e profundamente invasivo, que é a justificação para que os centros das nossas cidades, enquanto comunidades, sejam destruídas, com a proliferação de hotéis e de alojamentos locais, que estão a expulsar para periferias cada vez mais longínquas os seus residentes, destruindo relações sociais de proximidade, com as nefastas consequências que se sentem já. Os centros das cidades são para turistas, autênticas Disneylândias, e acabam por se tornar todos iguais, perdendo a sua identidade característica, aquilo que os diferencia, o que é genuíno, pondo em causa o seu próprio futuro.

Esta estratégia de modificar centros urbanos para serem usufruídos por turistas, enquanto se enviam para as periferias os trabalhadores impossibilitados de pagar os preços especulativos das habitações, corre o risco de acabar com a galinha dos ovos de ouro do turismo. Quem está interessado em visitar cidades, todas iguais, onde só existem hotéis, alojamentos locais e empreendimentos imobiliários para estrangeiros ricos?

É objectivo do neoliberalismo a destruição de tudo o que seja Estado Social, os serviços públicos, como a saúde, o ensino e até a segurança social, tendo como finalidade privatizar tudo o que puder dar lucro e manter uns serviços mínimos miserabilistas para assegurar a sobrevivência de uma mão-de-obra sobre explorada.

A exploração do mercado habitacional é outro dos pilares em que assenta a ganância dos capitalistas, que não olham a meios para aumentar os seus lucros imediatos, mesmo que à custa da destruição das cidades como as conhecemos hoje.

A concessão de Vistos Gold a estrangeiros milionários, ou seja a autorização de viver no nosso país em troca de investimento, na sua maioria não produtivo, especialmente em casas a preços de luxo tem contribuído para a especulação imobiliária de forma imparável.

O problema da falta de habitação faz-se sentir de forma premente e constituiu uma das maiores preocupações dos portugueses. Impõe-se uma cidade pensada e regulada onde todos possam viver bem, sem exclusões.

A especulação imobiliária começa a estender-se para além dos grandes centros de Lisboa, Porto e Algarve, também nas restantes cidades os preços de arrendamento crescem acentuadamente e a possibilidade de adquirir casa própria vê-se prejudicada pelos aumentos dos juros dos empréstimos bancários, incompatíveis com os baixos salários.

Os jovens trabalhadores estão cada vez mais obrigados a adiar a saída da casa dos pais e a constituição de família por falta de habitação.

Igualmente, estudantes e professores, médicos e outros profissionais deslocados têm graves problemas em conseguir habitação, pois os preços a que chegam quartos e partes de casa tornam difícil o acesso à habitação.

Ao contrário do que acontece em muitos países europeus, a percentagem de habitação pública no nosso país é muito baixa, cerca de 2% a nível nacional, embora em alguns municípios, como Matosinhos alcance cerca de 14%. Esta tão baixa percentagem contribui para promover a especulação imobiliária.

Quem se afirma de esquerda tem obrigação de lutar por alterações drásticas a esta situação de rapina sistemática por parte das entidades que com ela lucram, o que não tem sido prática deste governo.

As propostas que apresentar devem visar em primeiro lugar cuidar dos interesses da população, acautelando a defesa dos mais fracos contra a prepotência dos mais fortes.

É indispensável a defesa intransigente de serviços públicos de qualidade seja na saúde, na educação e na habitação, não esquecendo o cuidado com os idosos e os mais jovens, sem esquecer a defesa do ambiente.

Este será o papel de uma esquerda que deverá procurar, sistematicamente, contrariar a complacência dos partidos liberais e ditos sociais-democratas perante a enorme arrogância do capitalismo e da sua capacidade pra criar narrativas falsas que justifiquem a rapina que exerce sobre tudo e todos, em suma, a barbárie.

Opor tenazmente à “cultura neoliberal” uma cultura democrática, solidária consequente e verdadeiramente socialista, mobilizar contra a barbárie, deverá ser a proposta da Esquerda.

Sobre o/a autor(a)

Reformado. Ativista do Bloco de Esquerda em Matosinhos. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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