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Mobilidade e combate às alterações climáticas - os recuos da direita

Moedas continua a ignorar olimpicamente que a solução para retirar tráfego da cidade de Lisboa, aumentar a segurança rodoviária, promover o transporte público, melhorar a qualidade de vida dos e das lisboetas passa mesmo por zonas de emissão reduzida. Até quando?

No dia 4 de março, ao Expresso, o executivo da Câmara Municipal de Lisboa deu a entender que o plano para reduzir o número de carros a circular no centro da cidade (Zona de Emissões Reduzida - Avenida da Liberdade e Baixa Chiado ZER ABC) estaria posto de parte.

Num momento de vários desafios que enfrentamos, na cidade de Lisboa um desses desafios é, claramente, a governação da direita para a mobilidade. Não podemos permitir mais contradições e atrasos no que toca às políticas de combate às alterações climáticas.

Mas importa fazer alguma retrospetiva sobre dados que importam na análise do tema.

Segundo números apresentados pela Câmara Municipal, em 2018, Lisboa era responsável pela emissão, per capita, de 4,1 toneladas equivalentes a dióxido de carbono, valor superior ao registado em Madrid, Paris ou Londres. No mesmo ano, entravam, todos os dias, na cidade cerca de 370 mil automóveis (uma fila de Lisboa a Paris), a que se juntam cerca de 160 mil carros dos residentes da cidade.

Em zonas como a Avenida da Liberdade, o trânsito automóvel é o principal responsável pela emissão de partículas finas e de dióxido de azoto, segundo dados apresentados pela Câmara Municipal este ano. Também segundo dados do INE de 2017, 69% das deslocações em Lisboa são inferiores a 5 quilómetros e um terço destas são feitas de carro particular.

Não sendo o único fator de poluição, o automóvel é um fator determinante para a forma como olhamos para a necessidade de descarbonização das nossas cidades.

Mas olhemos, também, para exemplos de algumas cidades europeias.

Em Paris, prepara-se a restrição de tráfego em quatro bairros distintos em redor do centro da cidade, criando uma “zona pacífica”, com o objetivo de reduzir entre 350 e 550 mil viagens diárias naquelas zonas, correspondente a tráfego de atravessamento. O processo está a ser feito com auscultação e o prazo previsto de implementação é no início de 2024.

Em Bruxelas será implementado, já em agosto deste ano, um novo sistema de circulação no centro da cidade, chamado Pentágono, com alterações do espaço público, de sentidos de tráfego e restrições de acesso.

Londres vai mais longe, tendo anunciado recentemente que a ULEZ (Ultra Low Emissions Zone), inicialmente implementada em 2019 e revista em 2021, será alargada a toda a área da capital inglesa, já no próximo ano.

Em Madrid, depois do primeiro plano Madrid Central que criou uma zona de emissões e tráfego reduzido, ele acabou por ser alterado quando a autarquia, curiosamente, passou para o PP, mantendo parte do tipo de restrições em vigor, mas alterando especialmente o acesso por parte de comerciantes.

Em Barcelona têm estado a avançar os super block, quarteirões inteiros que passam a ter uma redução drástica do trânsito e onde a prioridade é para o transporte público, peões e formas de mobilidade suave.

Ora, depois de lida a peça do Expresso já referida, fica a ideia de que Lisboa vai ficar para trás num processo que é vital para as nossas cidades, para a nossa saúde e bem-estar. Por escolha política, Moedas, que tanto se arroga da experiência europeia e da necessidade de responder à crise climática, pôs um travão num processo que já vai, aliás, atrasado na sua implementação.

Isto só por si é grave. Mas para acrescentar à confusão, o vereador Ângelo Pereira, numa resposta a um requerimento do Bloco de Esquerda sobre a recomendação aprovada nesta assembleia, indica que, e cito: “Dado que a ZER ABC consta em inúmeros compromissos nacionais (PMQA) e internacionais (PAC; PAES; Rede C4O) serão retomados os respetivos estudos de implementação, no sentido de serem reavaliadas as medidas propostas no plano da ZER ABC, e subsequentes procedimentos de submissão à Câmara Municipal e Assembleia Municipal para aprovação e respetiva consulta pública.”

Em que é que ficamos?

Foi exatamente para responder a esta questão que o grupo municipal do Bloco de Esquerda requereu um debate de atualidade sobre o tema da ZER ABC.

Era preciso perceber se Lisboa vai acompanhar as capitais europeias ou ficar para trás em nome de uma visão ultrapassada, em nada progressista, relativamente à forma como nos movemos nas cidades. O presidente da Câmara que tanto gosta de olhar para o que se faz na Europa ainda não percebeu que, por exemplo, a sua proposta para o estacionamento é totalmente contrária ao que está a ser feito em todo o lado e é totalmente contrária ao objetivo de redução de tráfego.

Mas continua, igualmente, a ignorar olimpicamente que a solução para retirar tráfego da cidade, aumentar a segurança rodoviária, promover o transporte público, melhorar a qualidade de vida dos e das lisboetas passa mesmo por zonas de emissão reduzida. Até quando? Até ao momento em que perceber que não vai conseguir cumprir nenhuma das metas de redução de poluição a que Lisboa se associou, e bem?

Foram estas as questões colocadas e, espante-se ou não, as respostas foram… nenhumas. A direita diz-nos que está muito consciente das consequências das alterações climáticas, mas acrescenta sempre um “mas”.

É a receita de quem, na verdade, nada quer mudar e de quem não tem nenhuma resposta séria para o problema. Os Novos Tempos estão a fazer com que Lisboa retroceda no combate às alterações climáticas, que recue nas políticas de mobilidade que precisamos.

Da nossa parte, recusamos esta forma antiquada, que privilegia o automóvel acima de tudo em detrimento do ambiente, da mobilidade e do bem-estar da população. As soluções podem ser muitas, estão estudadas, algumas já implementadas. Não precisamos de inventar a roda, mas precisamos de coragem política para fazer o que é preciso. E Moedas não tem essa coragem. Pelo menos isso ficou claro no debate tido.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais e mestranda em Ciências Políticas
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