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Matem o mensageiro

O relatório do Parlamento Europeu reconhece a falta de legitimidade democrática da Troika e critica fortemente a falta de transparência em todo o processo de intervenção. Mas o PE aprovou com distinção as políticas austeritárias.

 

Esta semana discutiu-se e aprovou-se, no Parlamento Europeu, um relatório com as conclusões da Comissão de Inquérito criada para avaliar as atividades da Troika nos diferentes países onde interveio. O processo que agora culminou neste voto passou pela realização de visitas aos países em causa, por audições às instituições intervenientes – em particular ao Banco Central Europeu (BCE) e à Comissão Europeia – e por um questionário que foi feito a todos os governos que assinaram memorandos de entendimento com a Troika.

O relatório reconhece a falta de legitimidade democrática da Troika e critica fortemente a falta de transparência em todo o processo de intervenção. Obviamente que estas são duas conclusões que não podem ser deixadas em claro. Afinal, há um documento oficial da única instituição eleita democraticamente na União Europeia que conclui que a Troika tal como existe nunca deveria ter existido. Dito isto, são estas duas conclusões suficientes para apoiar o relatório? A este respeito, a minha resposta é um contundente: não. E porquê? Porque estas são mesmo as únicas partes boas de um relatório que é mau.

O Parlamento chumbou a troika, mas aprovou com distinção as políticas austeritárias que foram, desde logo, a razão principal pela qual se criou uma comissão de inquérito. Porque estava a correr mal. Mas isso foi ignorado no relatório e o que foi aprovado é, aliás, um documento que promete que a Troika continuará depois da Troika, por via do Tratado Orçamental e da consolidação orçamental. Ou seja, a austeridade é para continuar e os meios continuarão a ser os cortes nos salários, nas pensões e a destruição do Estado Social. É isso mesmo que justifica o voto favorável ao relatório por parte dos deputados dos partidos políticos dos governos que assinaram e puseram em prática as políticas da troika. Dizem agora que os “erros” foram identificados e que aprenderam com eles. Mas a verdade é que nenhuma lição de fundo foi retirada deste processo. Dizer agora que a troika não devia ter existido e prometer continuar a obedecer fielmente às políticas de austeridade é, no mínimo, contraditório. O problema é mais fundo e o que poderia ter sido usado como uma oportunidade perdeu-se. A maioria parlamentar optou por matar o mensageiro, garantindo, no entanto, que a encomenda chega ao destino.

De lamentações está o inferno cheio. Se esta avaliação fosse para valer, não poderiam ter sido ignorados os impactos sociais da austeridade. Que a Troika foi usada por este governo como desculpa para pôr em prática o projecto de transformação social que nunca teriam coragem sem essa desculpa já sabemos, mas que agora queiram ainda fazer de um falso “mea culpa” uma espécie de lavagem de mãos está para além de todos os limites aceitáveis. Se quisessem mesmo matar a troika teriam de enterrar o Tratado Orçamental, mas isso parece não estar nos planos.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” a 14 de Março de 2014

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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