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Marisa vs. Blackrock

Em junho de 2015 o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, veio a Portugal exigir "ajustamentos" no sistema de pensões antes de serem necessárias ações "mais dramáticas" no futuro.

Na mesma conferência de Imprensa, Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças do PSD, fazia segredo sobre as medidas planeadas para obter uma "poupança" de 600 milhões de euros nas pensões em 2016. A pressão era tanta que, também em 2015, o PS concorreu às eleições prometendo o congelamento das reformas de velhice durante a legislatura.

Sabemos hoje que estavam errados. O descongelamento das pensões a partir de 2016 - uma das condições do Bloco para viabilizar um Governo do PS - permitiu aumentos anuais pelo menos ao nível da inflação, acrescidos de aumentos extraordinários para as pensões mais baixas. Cerca de metade dos pensionistas da Segurança Social conseguiram mesmo recuperar o poder de compra perdido com a troika. E tudo isto sem colocar em causa a sustentabilidade da Segurança Social, que está hoje mais robusta graças ao crescimento do emprego.

Mas, para além dos maus pressupostos económicos, o tempo também nos revelou outros interesses que se têm movido por uma transformação radical do nosso sistema de pensões. Em fevereiro de 2015, a Blackrock - a maior gestora de fundos do Mundo - propôs à União Europeia a criação de um fundo de pensões privado. Em 2017, Valdis Dombrovskis apresentava a proposta de um fundo europeu privado de pensões.

A ideia, que já foi defendida por PSD e CDS, consiste em atribuir a fundos privados uma parte (ou a totalidade) dos descontos para a Segurança Social. Passaríamos assim de um modelo de solidariedade, em que os descontos atuais suportam as reformas atuais (para além de um fundo de capitalização de reserva) para um modelo misto, ou inteiramente baseado em contas individuais.

É fácil perceber o apetite de empresas como a Blackrock por este maná. A sua esperança é somá-lo aos 159 mil milhões de dólares que já gere, deixando as pensões à mercê dos mercados financeiros. Para isso conta com o apoio da União Europeia, e espera também o acolhimento dos parlamentos nacionais.

O impacto da crise de 2008 em fundos de pensões em todo o Mundo não foi suficiente para afastar o espetro da privatização da Segurança Social. Este é por isso um dos temas essenciais nestas eleições europeias e não pode haver lugar a hesitações. Defender as pensões da predação dos gigantes da finança será uma das tarefas dos eurodeputados eleitos. E para o fazer, não consigo pensar em ninguém melhor que Marisa Matias.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 21 de maio de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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