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A manipulação eleitoral de 5 de Junho

O Financial Times alemão vem no dia 8 referir-se ao problema da negociação do “pedido de ajuda” de Portugal e conclui que, indiferentemente de quem vier a ganhar as eleições, a política de austeridade deve ficar desde já assegurada.

O Financial Times alemão (FTD) vem no dia 8 referir-se ao problema da negociação do “pedido de ajuda” de Portugal neste espaço de tempo antes das eleições. A questão que se coloca é a da representatividade e da legitimidade do actual governo demissionário para contraír obrigações com tanto alcance em nome do Estado Português. Levantam-se dúvidas, sobre se o governo que resultar das eleições de 5 de Junho ficaria vinculado e em que medida aos acordos que este governo faça agora, tendo sobretudo em atenção a composição do quadro partidário da Assembleia da República, que possa vir a saír das eleições.

Segundo o FTD, o conselho dos ministros das Finanças e a Comissão querem resolver o problema com duas medidas: a primeira é vincular, desde já, a oposição ao processo negocial. Para esse efeito, noticía o FTD que o comissário Olli Rehn quer falar pessoalmente com Pedro Passos Coelho.

Em segundo lugar, a oposição e o governo devem dar, agora, o seu acordo às condições do empréstimo. O ministro das Finanças finlandês, Jyrki Katainen, disse ao FTD que “todos os partidos importantes da oposição têm que assinar.”

O FTD conclui assim que, indiferentemente de quem vier a ganhar as eleições, a política de austeridade deve ficar desde já assegurada. Dito de outra forma: “aos eleitores já não ficará muito para escolher no dia 5 de Junho.”

Portanto, segundo a informação do FTD o objectivo é muito simples: conseguir, através de acordos prévios, que nas eleições de 5 de Junho os eleitores, na realidade, não possam decidir nada; que independentemente da escolha partidária que os eleitores façam, o resultado final seja sempre o mesmo!

Assim, o que verdadeiramente se está aqui a combinar é uma manipulação eleitoral, em que um grupo de tecnocratas quer apalavrar entre si, antes da realização de um acto eleitoral, medidas que se destinam a esvaziar de utilidade prática os seus futuros resultados.

Aquilo que, pela sua enorme importância social, deveria ser o tema central da campanha eleitoral conducente às eleições de 5 de Junho, aquilo que deveria ser minuciosamente informado aos eleitores, com todos os argumentos, sejam eles contrários ou favoráveis, para que estes, posteriormente, através do seu voto, decidam se querem ou não, já está combinado antes. É esta a nova política europeia, levar o eleitor a votar, mas sem que este vote em coisa alguma. Faz sentido chamar “eleições” a pseudo-sufrágios populares do género deste que se pretende, em que o resultado já foi previamente combinado?

No entanto, como o próprio FTD adverte, fica uma “lacuna jurídica” neste procedimento. É que os eleitores podem, de repente, resolver votar massivamente num partido de esquerda que não assine o acordo. Ou, na formação de coligações, pode dar-se o caso de os respectivos intervenientes exigirem negociações posteriores adicionais.

Concluíndo, só os resultados de uma votação na esquerda, por tal se entendendo uma votação na esquerda que não assine os acordos, podem alterar este arranjo “governo-oposição” que está a ser combinado, em cooperação com os ministros das Finanças europeus e com a Comissão. Os votos que a esquerda consiga recolher são a grande utlidade, verdadeiramente a única, das eleições de 5 de Junho, o factor que ainda pode transformar os resultados de um pseudo-acto eleitoral, porque se quer, à partida, irrelevante, em verdadeiros resultados de eleições. 

Fonte:“Portugal-Hilfe startet mit politischem Risiko“, por Peter Ehrlich, em Financial Times Deutschland, edição online de 8 de Abril.
 

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário em Tübingen, Alemanha
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