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Mala Praxis, Sed Praxis?

Tenho para mim que a ideia de que existe uma praxe boa é puro voluntarismo sem efeitos práticos. A praxe representa um mecanismo distorcido de integração a partir da exclusão.

No passado dia 5 de fevereiro, a Assembleia da República aprovou um Projeto de Resolução do Bloco de Esquerda que recomenda ao Governo várias medidas para combater a violência nas praxes académicas. Esse projeto de resolução foi aprovado por maioria.

Desde esse momento que o Bloco de Esquerda tem vindo a acompanhar o trabalho do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior no sentido da implementação das medidas aprovadas. Foi já criado um grupo de trabalho que elaborará um estudo sobre a realidade das praxes académicas em Portugal.

A discussão em torno da praxe é, por isso, uma urgência sobre modelos de integração e formas de olhar o mundo e a sociedade e não apenas uma mera vontade de combater este ou aquele ato violento isolado. O convite que vos faço agora é esse. Esta audição pública tem como objetivo discutir a realidade das praxes académicas no país, sem ficar a meio do caminho, ou seja, analisar o fenómeno das praxes académicas para além da violência já punida por lei e como instituição segregadora e conservadora, alheia a uma visão plural, democrática e inclusiva do meio universitário e estudantil, abrindo um debate sobre propostas para o futuro.

Para esta audição pública, contamos com a presença do sociólogo Elísio Estanque, da Universidade de Coimbra, e com a presença da jornalista Fernanda Câncio. Desde já agradeço em nome próprio e do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda a vossa disponibilidade para este momento de reflexão e proposta.

1. Debater a praxe, para além da violência

Nos últimos anos multiplicaram-se os casos vindos de violência associados às praxes de norte a sul do país. Alguns destes abusos, relatados pela comunicação social, permitiram dar visibilidade a uma realidade que vai muito para além dos casos conhecidos. O que parecia exceção à regra é afinal a sua própria regra. Mas o debate sobre a praxe não se encerra neste tema, com certeza preocupante para todos e todas nós. O debate sobre a praxe remete-nos para uma discussão sobre modelos de receção e integração no ensino superior, para a criação de imagens no imaginário de cada estudante que marcará a sua experiência durante o seu percurso académico e de vida. Estamos, por isso, perante uma matéria que extravasa uma discussão circunscrita a novos mecanismos legislativos e sancionatórios e convida-nos a um debate que é um combate cultural, social e político sobre modelos de sociedade.

2. As várias violências

Se é verdade que os casos de violência física são os que mais rapidamente chegam aos ecrãs das nossas televisões, também é certo que os casos de violência psicológica, simbólica são prática comum e diária nas práticas praxísticas. Se a violência física deixa sequelas materiais, as outras violências deixam sequelas profundas no relacionamento com o mundo, com o outro naqueles que a sofreram.

3. Um conceito de universidade e de sociedade

À medida que a praxe construiu a sua hegemonia no meio académico, a discussão sobre a democracia e os modelos de integração foi-se esvaziando. Esta lógica deve ser combatida. E combater não significa proibir. O que não vale é ficar a meio do caminho.

Tenho para mim que a ideia de que existe uma praxe boa é puro voluntarismo sem efeitos práticos. A praxe representa um mecanismo distorcido de integração a partir da exclusão.

Numa visão integradora das realidades plurais do Ensino Superior e, ao mesmo tempo, plural na integração que oferece a quem chega a esta nova etapa da sua vida, não pode haver espaço para segregação, exclusão e conservadorismo. A entrada no Ensino Superior não pode significar a impressão de uma visão mais fechada da Democracia, da vida em comunidade, da construção de um muro entre a realidade social e o espaço onde temos aulas.

4. Onde para o movimento estudantil

Num debate alargado sobre as praxes académicas, a discussão sobre os caminhos que o movimento estudantil tomou é indissociável. À medida que a praxe construiu a sua hegemonia no meio académico, a discussão sobre a democracia e os modelos de integração foi-se esvaziando. Existe, a meu ver, uma relação entre as práticas praxísticas e uma visão sobre a Democracia e a participação dos estudantes.

5. O papel do Bloco, dentro e fora do parlamento

O papel do Bloco, dentro e fora do Parlamento, é extenso. Afirmamo-nos defensores de uma sociedade mais justa, solidária e horizontal. A praxe, por ter vindo a significar muitas vezes o contrário destes valores, é para nós matéria de análise e discussão.


Intervenção de abertura Luís Monteiro na Audição Pública sobre Praxe Académica promovida pelo Grupo Parlamentar do
Bloco de Esquerda.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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