No final da semana passada, os estivadores do Porto de Lisboa tiveram uma das maiores vitórias da história recente do movimento dos trabalhadores em Portugal. O ataque à sua vitória, que já se fazia durante a sua luta, é prova acabada de que a mesma é muitíssimo relevante não só para o Porto de Lisboa e para a estiva, como para o mundo do trabalho e para o combate à precariedade.
O acordo obtido pela greve determinado dos estivadores do Porto de Lisboa prova não só que é possível combater a precariedade, como é possível vencê-la através da coerência entre trabalhadores com vínculos ditos estáveis e trabalhadores com vínculos precários.
A aprovação da Lei nº 3/2013, com a desregulamentação laboral dos portos, exigida pela troika de FMI, BCE e Comissão Europeia, materializava em lei a sentença dita pelo presidente da Associação Comercial de Lisboa, Bruno Bobone: “Estes senhores (o sindicato) têm de acabar, têm de desaparecer, têm de acabar com eles”. Como tornar o sindicato impotente e os trabalhadores isolados e fracos? Anular os contratos coletivos de trabalho, acabar com a formação e exigência de carteira profissional, abrir os portos às várias formas contratuais de precariedade, nomeadamente através da criação de uma empresa de trabalho temporário no Porto (a PORLIS), contratos diários e por turnos, partindo a atividade em várias subatividades: excluindo a utilização de veículos pesados, a movimentação e arrumação de mercadorias em armazéns e outras plataformas logísticas. Segmentar, dividir o trabalho do porto de maneira a manter todos os trabalhadores afastados de uma identidade e de uma negociação laboral comum, expondo-os a vários subcontratantes e à pressão máxima pelo salário mínimo e pelas horas máximas.
Que não haja qualquer dúvida de que o que foi alcançado é de elevadíssima dimensão: perante uma pressão vergonhosa sobre a greve dos estivadores, que nos últimos três anos foram apelidados de multimilionários, hooligans, violentos e acomodados, entre outros epítetos ainda piores, estes souberam manter uma coerência quase ímpar na história recente das lutas laborais no país. Importa aprender não só com a vitória como com a coerência — este mesmo sindicato conseguiu em fevereiro de 2014, depois de uma também muito atacada greve, readmitir 47 trabalhadores que estavam no Porto de Lisboa há mais de seis anos e que, fruto da nova lei, tinham sido despedidos em 2013.
A semana passada, após uma greve de mais de um mês às horas extraordinárias, e após o incrível anúncio de um despedimento colectivo de estivadores por parte da Administração do Porto de Lisboa, o sindicato uma vez mais não cedeu e conseguiu um avanço com elevado potencial para outras lutas: a empresa de trabalho temporário PORLIS foi basicamente fechada, não podendo contratar mais trabalhadores eventuais para tarefas permanentes, e os seus atuais 23 trabalhadores serão integrados no trabalho regular do Porto; haverá um novo acordo coletivo de trabalho e haverá uma carreira de estivador, com progressão. Falta, naturalmente, revogar a lei nº 3/2013, que foi a porta aberta para a degradação laboral não só no Porto de Lisboa, como nos portos do resto do país. Mas o acordo alcançado tem a virtude de amputá-la do seu objetivo máximo: a coberto de uma pretensa competitividade obtida pela precarização laboral, desmantelar os direitos laborais e os salários de quem trabalha nos portos.
Mantém-se, pelos estivadores mas não só, marcada a Manifestação contra a Precariedade, dia 16 de Junho, às 18h no Cais do Sodré. Perante uma vitória, é preciso continuar a avançar. Nesta ronda, bateu-se a precariedade, mas é preciso aprender com esta vitória que só com uma luta aberta e em contacto com várias forças da sociedade, com forte articulação internacional, e trazendo para o campo do combate os trabalhadores e trabalhadoras precários é que se pode ganhar no longo prazo.
Artigo publicado em p3.publico.pt a 31 de maio