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Por muito que se esforce, Luís Montenegro não conseguirá ser mais feroz no ataque a Rui Rio do que foi durante quase dois anos de oposição à liderança interna.

Inusitadamente, Montenegro lançou a sua maior cartada em Janeiro para tentar marcar passo, contando espingardas para uma guerra perdida. Esta, a tentativa de "golpe de estado" a meses das eleições a que Rio se referiu para acusar Montenegro de deslealdade, é imbatível. Pode dizer-se que Montenegro bem tentou avisar sobre a derrocada que aí vinha. Mas tendo ficado alguma pedra sobre pedra, tudo o que agora possa dizer sobre Rio soa a requentado e fratricida, fel a concorrer para a morte ou para a ruína. O debate televisivo entre os três candidatos à liderança do PSD deixou bem claro como Rio deverá ter o partido na mão nas directas de 11 de Janeiro e no Congresso de 7 de Fevereiro.

Abrir um debate com lavagem de roupa suja não é muito dignificante para quem pretende ser candidato a primeiro-ministro. O PSD parece não perceber que há um país inteiro sem qualquer interesse em mais uma novela pintada a tons laranja. Tudo fica ainda mais deprimente quando se percebe que os primeiros 15 minutos de debate não foram mais do que uma arma de arremesso que se esgota após alguns "sound bites" previamente definidos e estudados. Não há nada de estrutural em jogo. Não há oposição que se veja ou anteveja.

A forma como Rio sai das eleições legislativas, vociferando internamente contra todos e contra tudo o que mexe, é uma imagem de marca. Em parte, tudo aquilo que o PSD foi durante anos, um exemplo paradigmático da "guerrilha interna" de que agora acusa os seus adversários. Em soma, este é o PSD que agora se apresenta. Fragmentado e dividido, repleto de uniões fáceis e de ocasião, à espera de um D. Sebastião que aguente mais quatro anos de nevoeiro sem desgaste. Esgotados na arte da guerrilha, os maiores vultos do partido ainda não perceberam o que um simples militante de base já alcança. O mais certo é que, neste contexto, a melhor opção que consiga oferecer ao país seja mais um líder de transição.

Entre maçonaria a mais e Sá Carneiro em excesso, Rui Rio tem razão e vem nos livros: a primeira parte do debate pode ter sido "prejudicial" para o PSD. Mas depois não foi diferente. Por um lado, sobra a convicção de que é muito difícil encontrar diferenças substanciais entre os três candidatos relativamente a políticas sectoriais. Por outro, quando a grande clivagem surge na forma de aproximação ao PS e na votação do Orçamento do Estado, emerge um veículo de clientelas famintas que só se poderá alimentar do caminho. E aí, é como Amália cantava entre os arremessos da fé e do destino: "Se o meu sangue não me engana/ como engana a fantasia/ havemos de ir a Viana". Para mais do mesmo, melodia de 7 a 9 de Fevereiro. Só Miguel Pinto Luz, com alguma fantasia, poderá invocar que vai rodar o veículo.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” de 6 de dezembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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