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Mais compromissos e menos jogos

Faltam três anos e meio para o fim da legislatura. Mais do que de crises artificiais com um olho na maioria absoluta, o país precisa de compromissos claros sobre o que importa: o trabalho, a habitação, a saúde e o investimento.

A este respeito, pouco mudou desde o dia das eleições, em que o Bloco de Esquerda propôs ao Partido Socialista um acordo para a legislatura, que começasse pelo essencial - a proteção dos direitos laborais, retirando do código de trabalho as normas que a troika lá deixou até hoje - e que avançasse para os necessários compromissos com o investimento nos serviços públicos.

Estávamos em outubro de 2019 e o Bloco foi mesmo o único partido a defender a necessidade de um acordo que definisse a atuação do Governo sobre prioridades concretas. Nada de original: assim se fez em 2015. Uma opção considerada supérflua pelo PCP mas também pelo presidente da República, que veio recentemente manifestar a sua preocupação com o desgaste de um Governo minoritário cheio de vontade de se atirar ao chão.

Quanto ao PS, é sabido que rejeitou a proposta do Bloco, sem sequer apresentar qualquer alternativa. António Costa achou que não tinha interesse em negociar. Nas palavras de então da jornalista São José Almeida, "se António Costa faz a mise-en-scène de tentar os acordos, é apenas para manter a imagem de coerência no diálogo", porque, "com o peso que tem no Parlamento, o PS pode governar sozinho, com acordos pontuais, medida a medida, com facilidade". A verdade, hoje clara aos olhos de todos, é que o Partido Socialista, na sua arrogância, achou que beneficiaria de uma estratégia de "dividir para reinar". Governaria sozinho, sem cedências à esquerda, contando com votos cruzados dos restantes partidos. O resultado está à vista: impasses políticos e uma governação errática, sem um rumo definido, que, tal como apontado pelo presidente da República, mostra cada vez mais sinais de desgaste.

O ministro Siza Vieira vem agora apresentar-se, em entrevista ao Expresso, como partidário derrotado de um maior empenho inicial num acordo com o Bloco de Esquerda. Mas a hora não é para arrependimentos. O PS está bem a tempo de encontrar parceiros para passos concretos, por exemplo, no combate à precariedade e aos abusos laborais. Ou para cumprir os seus compromissos eleitorais sobre investimento em habitação pública (que preferiu adiar no orçamento em nome do excedente).

O que o PS não poderá nunca esperar é que, em nome de uma estabilidade vazia de orientação e conteúdo, o Bloco de Esquerda vote matérias que não negociou ou contrariam o seu programa. As maiorias constroem-se com trabalho de aproximação e convergência, não com provocações e ultimatos.

Não tarda muito a apresentação do Orçamento do Estado para 2021. Veremos então se, em vez de tentar impor um documento à esquerda sob retórica de chantagem, o Governo "cai na real" e assume uma negociação séria e construtiva. O país sairia a ganhar.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 10 de março de 2020

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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