Uma maioria absoluta no parlamento, a promessa dourada do PRR, a deferência do Presidente da República e uma direita desorganizada. O que mais falta a António Costa? A fraqueza do governo não mora apenas na arrogância de um primeiro-ministro em pose, porque o país vai bem e não podia ir melhor. O governo é fraco porque não responde aos problemas. Em muitos casos, deixa-os agravarem-se, como na escalada da inflação, na crise da habitação e na falta de transparência, própria de um regime de privilégios.
A maioria absoluta não é transparente, o governo é fraco
Menos de um ano após as eleições, duas imagens fortes. Um governo que perde os seus dirigentes, entalados nas portas giratórias entre a política e os negócios. Na soberba de alçar dirigentes do calibre de Miguel Alves revela-se a fragilidade do governo de um homem só, mas o caso da TAP é mais elucidativo do estado da arte. O escândalo de Alexandra Reis e dos quinhentos mil euros perdidos não radica em inépcia de procedimentos a ser corrigida nos corredores do Estado (como aventou o PAN, com a pronta anuência de Fernando Medina, ao propor a revisão do Estatuto do Gestor Público). O abuso cometido é a imagem do sistema de exceções e privilégios que o governo instalou na TAP. Por isso é tão importante uma apuração política de tudo o que se passou, em Comissão de Inquérito Parlamentar. Resgatando e defendendo o interesse público, contrariando a rapina da direita, apostada em instrumentalizar a TAP como arma política.
A maioria absoluta não responde à inflação, o governo é fraco
O ano terminou com António Costa a multiplicar-se em entrevistas e recados. A fragilidade da pose sobranceira - "habituem-se, vão ser quatro anos" - só é superada pela incapacidade do governo em responder à crise da inflação. Segundo o Primeiro-ministro, o governo já gastou tanto com as medidas extraordinárias como com a gestão da pandemia. O problema é que Portugal pertence à lista de países que menos gastou com a pandemia em percentagem do PIB, uma bitola que agora se aplica na resposta à inflação. Seja do lado da despesa (apoios), seja do lado da receita (impostos extraordinários), Portugal marca passo no calendário e na magnitude das medidas em comparação a outros países europeus. A recusa em subir salários, pensões e prestações sociais em linha com o valor da inflação, além de uma política económica errada, cristaliza a lógica de empobrecimento para os próximos anos, pois cria uma base desvalorizada sobre a qual serão calculadas as atualizações futuras. Para a propaganda resta um acordo de rendimentos assinado com os patrões em troca da dedução fiscal de prejuízos (revertendo uma medida da geringonça) e uma vaga promessa de aumentos salariais futuros, sempre bem abaixo do que foi perdido.
A maioria absoluta mantém a crise da habitação, o governo é fraco
A revista Forbes não se esqueceu do conselho de ano novo ao seus leitores norte-americanos: "este é o ano para perseguir o sonho: desista do emprego e mude-se para um dos lugares mais baratos (e melhores) para se viver no mundo, um país que custa tão pouco que você pode parar de trabalhar". Esse país é Portugal, cuja capital registou um aumento de 48% no valor médio de arrendamento das casas em apenas um ano. E não é só Lisboa que está a sofrer com a crise da habitação. Numa rápida pesquisa numa das plataformas de referência é possível contar o número de anúncios de apartamentos (tipologia t1) para arrendar abaixo do valor do Salário Mínimo Nacional (760€): três em Lisboa, sete em Braga, seis em Coimbra, três em Aveiro, doze no Porto, três em Setúbal. Se quiser morar em Faro, prepare-se, pois as ofertas começam nos mil euros.
O governo criou a tempestade perfeita na habitação, com o Alojamento Local a capturar o centro das cidades, o regime dos vistos gold a fazer das casas moeda de troca para o banditismo económico internacional, o atraso nos programas públicos de habitação, a conivência e privilégios garantidos aos fundos imobiliários, com borlas fiscais generosas e a proteção de não intervenção no sacrossanto mercado. Quando até o perigoso radical Justin Trudeau, primeiro-ministro e líder do Partido Liberal do Canadá, anuncia a proibição de venda de casas a residentes não-habituais e a fundos de investimento estrangeiros, percebemos até que ponto a passividade do Partido Socialista revela a subserviência aos interesses do mercado imobiliário em Portugal.
É claro que à crise da habitação, à resposta errada na inflação e ao regime de privilégio e falta de transparência podemos somar mais um pecado mortal desta maioria absoluta. O da soberba de António Costa, que, cada vez mais isolado, arrasta consigo todos os bloqueios políticos do governo. Não sabemos tudo o que 2023 nos reserva, mas ficam algumas certezas: maioria absoluta, soluções erradas, arrogância máxima, governo fraco.
