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Linha de extrema-direita ganha poder na nova Comissão Europeia

Não são apenas os nomes dos comissários apontados, mas é também a reorganização das pastas e responsabilidades que nos indicam que a linha dura de extrema direita protagonizada por Viktor Órban ganhou poder dentro da nova Comissão.

Declaração na reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República

Entendemos que este não é o momento para entrar nos temas que têm marcado a campanha eleitoral, e queremos aproveitar esta reunião da Comissão Permanente para registar a enorme preocupação que nos causa a proposta de composição da Comissão Europeia.

Não são apenas os nomes dos comissários apontados, mas é também a reorganização das pastas e responsabilidades que nos indicam que a linha dura de extrema direita protagonizada por Viktor Órban ganhou poder dentro da nova Comissão, tal como já vinha ficando claro desde a nomeação da sua nova Presidente.

Ainda há poucos meses houve quem nos falasse de um Renascimento Europeu fruto de uma aliança entre partidos socialistas e liberais de direita. Não foi preciso esperar muito para ver o que de facto está a renascer

Se esta proposta for aprovada pelo Parlamento Europeu, passará a existir uma comissão denominada “Proteger o nosso modo de vida na UE”. O título é errado e preocupante. Errado porque nem a Europa está sob ameaça, nem partilha um único modo de vida. Preocupante porque se trata da recuperação de antigas expressões dos movimentos xenófobos europeus, ao melhor estilo Le Pen.

Poderia alguém ainda argumentar que por “modo de vida” a Comissão Europeia designa algum tipo de preocupação com o bem estar, com o salário ou o Estado Social, mas não. Esta é mesmo a pasta do controle migratório e o que se pretende não é proteger o nosso estilo de vida. É impedir que outras pessoas possam aceder a uma vida melhor. Ganhou a visão cruel que faz do mediterrâneo um cemitério e da Europa uma fortaleza.

Mas a nova presidência da Comissão Europeia apresenta-nos ainda outras bizarrias, disfarçadas com nomes sonantes.

A pasta da Democracia e Demografia, repito, Democracia, é entregue a uma Comissária Croata aliada do Governo Húngaro contra as sanções impostas pelo Parlamento Europeu por violação dos valores Europeus em matérias de migrações e Estado de Direito. A tal “proteção do modo de vida Europeu” passou portanto a contemplar a recompensa a políticos e governos que violam direitos humanos.

Prova disso mesmo é a promoção do ministro da Justiça do Governo Hungaro de Órban a Presidente da Comissão para a “Vizinhança e Alargamento”. Estamos a falar do responsável direto pelas políticas que põem em causa os princípios de separação de poderes na Hungria. Ministro de um governo que, segundo o relatório do PE, "Perseguiu migrantes, refugiados e minorias como os ciganos".

Não é possível manifestar preocupações genéricas sobre democracia, direitos humanos, liberdade, e ignorar o espetáculo de horrores que se está a montar no palco europeu. Um espetáculo a que se juntam vários fantasmas do Natal Passado.

Irónico é eufemismo se quisermos comentar a atribuição de uma pasta chamada “uma economia que trabalha para as pessoas” a Vladis Dombrovskis - o comissário que defendeu que Portugal devia ser sancionado e perder fundos estruturais por não ter aplicado austeridade suficiente.

E o que dizer da entrega da pasta “plano de investimentos verdes” a um entusiasta da austeridade como Frans Timmermans.

A proposta é má para Portugal, é má para a Europa, e engana-se quem pensa que a presença de Elisa Ferreira neste grupo fará a diferença que conta. O problema não é pessoal, mas político.

→ em primeiro lugar porque aprendemos há muito tempo que as instituições valem mais que as pessoas: Elisa Ferreira não mudará a Comissão Europeia, da mesma forma que Mário Centeno não mudou o eurogrupo. Nenhum comissário Português vale a validação política desta nova Comissão e de tudo o que ela representa;

→ em segundo lugar porque a presença de uma Portuguesa na pasta da coesão não garante mais fundos para este objetivo, nem que Portugal sairá beneficiado nesse processo, pelo contrário;

→ em terceiro lugar porque a pasta da coesão se chama na verdade coesão e reformas. Sabemos para onde isto vai: a europa prepara-se para criar mecanismos de condicionalidade para atribuição dos fundos de coesão. Não só decide cada vez mais como e onde cada país deve investir como faz depender esses fundos das famosas reformas estruturais: austeridade, desmantelamento de direitos laborais, privatizações, liberalização financeira.

Ainda há poucos meses houve quem nos falasse de um Renascimento Europeu fruto de uma aliança entre partidos socialistas e liberais de direita. Não foi preciso esperar muito para ver o que de facto está a renascer com o apoio dessa mesma aliança: a extrema direita no centro das instituições europeias e a dominar a sua política. Resta saber como vai cada partido votar esta proposta concreta no Parlamento Europeu, a começar pelo PS, que deve esclarecer também se mantém o apoio à nova presidente da Comissão Europeia.

Declaração política, em nome do Bloco de Esquerda, na reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República a 11 de setembro de 2019

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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