Lições francesas

porFrancisco Louçã

21 de novembro 2007 - 0:00
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A greve da função pública somou-se ontem à longa greve dos ferroviários e trabalhadores dos transportes. A resposta generalizada e prolongada dos grevistas franceses é um incentivo para a luta pela segurança social em toda a Europa.

A greve da função pública somou-se ontem, em França, à longa greve dos ferroviários e trabalhadores dos transportes. Entretanto, os estudantes ocupam as faculdades, desde a semana passada. Centenas de milhares de manifestantes deram ontem expressão a este protesto, mostrando que uma greve não é uma reposta passiva mas que deve sair para a rua e ocupar o debate nacional.

Esta vaga de mobilizações não tem precedentes nos últimos dez anos em França. É certo que a França é um dos países mais politizados da Europa, e que deu exemplo de uma energia sem comparação com a vitória do voto Não no referendo sobre a Constituição Europeia, quando esse voto dividiu o PS e atraiu grande parte dos eleitores e eleitoras de esquerda. E é certo que, agora, o novo governo Sarkozy tenta fazer dos ferroviários e trabalhadores dos transportes o que Madame Thatcher fez dos mineiros quando dirigiu o governo britânico: bodes expiatórios da política de austeridade e, no caso francês, as primeiras vítimas de um novo ataque à segurança social.

Nesse sentido, Sarkozy aproxima-se das medidas da reforma Sócrates-Vieira da Silva na segurança social, e sabe-se que o presidente francês tem referido frequentemente o primeiro-ministro português como um exemplo. Pois aí está. O aumento da idade da reforma é o caminho seguido num país como noutro, usando a vida dos trabalhadores para acertar as contas do défice.

Assim, a resposta generalizada e prolongada dos grevistas franceses é um incentivo para a luta pela segurança social em toda a Europa.

Mas há ainda um outro aspecto em que a França obriga toda a esquerda europeia a uma reflexão sobre a recomposição política que é necessária para que este combate se desenvolva. As esquerdas tradicionais vivem uma crise arrastada que é parte deste processo social. O PS dividiu-se no referendo constitucional e depois foi derrotado com a candidatura presidencial de Ségolène Royale. As correntes mais liberais vão ganhando predominância, nomeadamente na proposta de novas formas de partido mais susceptíveis ao populismo, como por exemplo impondo a escolha directa de candidatos por referendos públicos, segundo a moda italiana e o exemplo norte-americano. Doutro lado, o PCF, que há uma geração tinha 25% dos votos, regista agora nas eleições presidenciais 1,4%. A esquerda radical também tem estado dividida, e veremos que impacto alcança a proposta de um novo partido anti-capitalista aberto, que será criado em 2008.

Há, pois, um atraso das esquerdas políticas em relação às esquerdas sociais. Da ponte que entre ambas se estabelece dependerá, como sempre, o futuro da esquerda.

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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