A leve “insustentabilidade” da Segurança Social

porAndré Julião

14 de março 2014 - 1:20
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Se já parecem bem evidentes as intenções do Governo quanto à Saúde e à Educação, eis que surge timidamente, uma nova tendência, mais abrangente e ainda um pouco oculta: a da privatização da Segurança Social.

 

Determinadas franjas da sociedade, com o Governo à cabeça e alguns grandes grupos económicos a reboque, parecem querer fazer passar, a todo o custo, a mensagem de que o Estado Social não é sustentável e que há que cortar, forte e feio, na proteção social, na Saúde e na Educação, só para citar os mais significativos.

“Vivemos muitos anos acima das nossas possibilidades” e “não podemos voltar ao nível salarial de 2011” são apenas algumas das expressões utilizadas pelo primeiro-ministro para justificar a implementação de um novo modelo ideológico, camuflado sob a égide das imposições da troika.

“Reinar pelo medo” parece ser o lema utilizado para justificar todos os cortes efetuados nas várias vertentes do Estado Social, reduzindo aos “serviços mínimos” tudo o que respeita aos sectores da Saúde e da Educação e à proteção social, com especial destaque para a Segurança Social. Um pouco à imagem do filme “A Vila”, de Night Shyamalan.

Mas, como, já defendia o ignóbil Goebbels, “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, a verdade, passe o pleonasmo, é que muita gente está a acreditar na mensagem, difundida de forma insistente e até subliminar.

Após reduzir ao mínimo a Saúde e Educação, Governo ataca Segurança Social

Se já parecem bem evidentes as intenções do Governo quanto à Saúde e à Educação, minimizadas à medida dos que não conseguirem pagar colégios particulares nem seguros de saúde, eis que surge timidamente, uma nova tendência, mais abrangente e ainda um pouco oculta: a da privatização da Segurança Social.

A tática utilizada é a mesma de sempre, ou seja, esvaziar, reduzir ao mínimo, para depois... privatizar. Tudo começou com a redução dos subsídios de desemprego, dos valores, das percentagens e da população beneficiária. Depois, avançou para o RSI e para as pensões de sobrevivência, pé ante pé, pela calada, até à... solução final.

Urge, portanto, desmistificar a ideia de que a Segurança Social é insustentável e que o Estado Social é uma utopia dos séculos XIX e XX. Na verdade, a Segurança Social sempre teve um excedente orçamental, sendo penalizada em alturas de maior desemprego, emigração e empobrecimento da população.

O financiamento da Segurança Social é efetuado, de forma não contributiva, através do orçamento da Segurança Social, que recolhe as verbas do Orçamento de Estado destinadas a políticas sociais, e de forma contributiva, através das contribuições dos trabalhadores – em 11% do vencimento ilíquido – e das respetivas entidades empregadoras – em 23,75% do mesmo valor.

E é assim desde as Caixas de Previdência herdadas das Casas do Povo comunistas e socialistas, que culminaram na lei de Bases da Segurança Social de 1984 (ver http://www4.seg-social.pt/evolucao-do-sistema-de-seguranca-social).

Financiamento da Segurança Social pode ser reformulado sem afetar famílias e PME

O sistema de financiamento da Segurança Social tem funcionado, apesar de, por várias vezes delapidado, por Governos de vários quadrantes, sendo utilizado como fundo de reserva ou para aplicação em operações de derivados financeiros ou fundos de risco, mais ou menos duvidosos. Ainda assim, e apesar de tudo, tem funcionado. Não quer isto dizer que não possa ser melhorado ou repensado. Pode e deve, mas em prol da sua sustentabilidade e da melhoria da proteção das pessoas. Porque é para isso que o sistema, efetivamente serve e foi criado.

O Bloco adiantou, em tempo útil, algumas propostas para a área do trabalho e da Segurança Social (ver http://www.esquerda.net/dossier/propostas-na-%C3%A1rea-do-trabalho-e-seguran%C3%A7a-social/25659). Algumas mais poderiam ser acrescentadas. Como a possibilidade de as empresas contribuírem para a Segurança Social com base no seu valor acrescentado e não no número de trabalhadores, o que aumentaria a contribuição das sociedades de capital intensivo e de cariz mais tecnológico.

Ou uma contribuição anual com base nos resultados do exercício, isto é, do lucro declarado, ao invés do número de trabalhadores, o que poderia ajudar a combater a precariedade.

Por outro lado, e do lado das pensões, a aplicação de impostos altamente progressivos sobre todos os rendimentos do trabalho e pensões, assim como o fim de acumulações entre pensões altas e outros rendimentos seriam medidas importantes para garantir a sustentabilidade do sistema de Segurança Social.

Só que isso parece não interessar ao stablishment neo-liberal que se apoderou do País e que procura, a todo o custo e em tempo recorde, privatizar e entregar aos grandes grupos económicos que estão na sua génese, sectores estruturais da sociedade portuguesa e que custaram anos de trabalho, muito suor e lágrimas a erguer.

André Julião
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André Julião

Jornalista
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