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Legislativas do descontentamento!

O Bloco de Esquerda sofreu uma pesada derrota, inesperada na dimensão e imprevisível na implicação. Tal como é assumido o insucesso eleitoral, também é adotada a garantia de que a ação política será tanto mais combativa quanto necessária.

Domingo o país foi a votos e a safra redundou nas antípodas do que defendi e pretendia que resultasse. Sem rodeios de palavras nem receios de significados, enquanto candidato do Bloco de Esquerda assumo por inteiro a derrota eleitoral que nos foi conferida.

Numas eleições provocadas por uma crise artificial que serviu de instrumento de chantagem e de temor ao caos, onde o Presidente da República (PR) também embarcou e se enredou ao anunciar por antecipação a dissolução do parlamento caso houvesse chumbo do OE - sem que assim tivesse de ser – e consequentes eleições antecipadas, com o objetivo de guindar Paulo Rangel para governo. O PR vê-se agora num papel de menor relevância política perante uma maioria PS, mesmo que invoque contentamento com o argumento da estabilidade.

Na verdade António Costa (AC) com a sua ardilosa estratégia foi o grande vencedor da noite, e em toda a linha. Depois de ter deixado cair o que inicialmente tanto custou a assumir -constantes subterfúgios de adjetivação para ocultar a intenção – e quando já tinha mudado de tática, de imagem e de atitude ao admitir conversações pós-eleitorais para definir governação. Eis que sai o brinde a um partido desgastado, com AC a assumir que saía de cena caso perdesse, depois de dizer que os portugueses não desejavam maiorias absolutas. São as irracionalidades da política.

Mas que razões podem explicar este comportamento eleitoral?

Para além da segurança do que já conhecem, para além de não arriscar em tempo de pandemia, para além de culpabilizarem, indevidamente, os partidos de esquerda pelo chumbo do OE, o/as portuguese/as acederam ao alarme das permanentes sondagens acompanhadas de enorme quantidade de estudos de representação, perguntas jornalísticas e tendenciosos comentadores em forma de fazedores de opinião. O modelo de atenção por concorrência de audiências entre canais televisivos, foi o de agressividade de transferência diária de intenções de voto e de cobertura baseada em comentários, dando centralidade a estes meios de informação com interferência profunda na contenda eleitoral. A este jogo de perceções, tecido por objetivos comerciais de audiências e interesses partidários, juntou-se a multiplicação de uma vasta disseminação de redes sociais dirigidas a partir de centros de observação e difusão personalizada da mensagem.

Não é lícito culpabilizar as sondagens pelos resultados, certo. Mas que estas foram modeladoras de opinião e consequente opção de voto, não tenho qualquer dúvida. Passada uma longa corrida de supremacia eleitoral do PS, o empate técnico passou a técnica do empate ao produzir uma bipolarização mediática, que fez tocar “os sinos a rebate” e criou uma onda de choque fortemente instrumentalizada como forma de apelo ao voto útil capaz de aniquilar a utilidade do voto. Para a direita não funcionou porque o PSD não se afirmou como ganhador. Para o PS resultou e esvaziou os partidos à esquerda. Agora vai governar de forma confortável e ter oportunidade para executar os milhões e milhões do PRR. Não são boas notícias, não só porque a história recente nos evidencia as desgraças de tais governações, mas também porque o PS é permeável a pressões e interesses dos grupos económicos e porque a maioria é uma aberração da pluralidade democrática transformando os necessários consensos num absolutismo de poder.

O PSD ficou longíssimo das suas metas, a milhas do que preconizavam as sondagens e, pior que isso, congelou as expetativas dos dirigentes, militantes e apoiantes para quem esperançadamente cheirava a poder. Ficou com um líder que até fala alemão, mas não percebe o que Portugal precisa. Ficou com um líder que não sabe para o que serve nem percebe a utilidade que tem. Ficou com um líder recentemente eleito que já está a prazo, mas cujo prazo pode ser dilatado por falta de concorrentes. Arrastar-se-á à espera de melhores dias.

O CDS sai do parlamento ao fim de 46 anos. Sendo um frontal opositor dos conservadores valores do partido, reconheço que desempenhou o papel de travão à ascensão da extrema-direita porque ele próprio incorporava esses extremismos em muitos dos seus quadros. O jovem antiquado líder cavou a cisão entre as propostas soltas, por vezes tontas, e os anseios da população, para além do confronto isolacionista com que dirigiu o partido.

A IL surfou a onda da moda. Somos todos empreendedores, somos todos iguais, somos todos individuais. O Estado é um empecilho só serve para cobrar impostos. Os serviços públicos só sugam o nosso dinheiro e alimentam funcionários que nada querem produzir. O privado é o paraíso da eficiência e a ascensão económica o grau superlativo da vida. Todos pagamos impostos por igual, tenhamos muitos ou poucos rendimentos.

Esta oligarquia económica trauteada em forma de lengalenga modernaça envolta num exaltado ambiente de gin tónico e pop-rock, teve maior anuência com melhores resultados nos concelhos com população mais qualificada, com maior poder de compra e onde o valor mediano das rendas de alojamento por metro quadrado é superior à média do país.

Há que desmontar esta fraude publicitária, este embuste de crescimento por igual, esta falácia de sociedade de ensejos. Não somos iguais porque não temos o mesmo acesso à educação, à saúde, à cultura, à habitação, a empregos dignos. Não somos iguais porque não temos as mesmas oportunidades e porque são impostas e instituídas muitas desigualdades.

O Chega cresceu ao ponto de ter mais deputados do que páginas do seu programa. É inquietante pensar como uma berraria de inconsistente e ocasional protesto, que apela a sentimentos primários de racismo, xenofobia e homofobia, que invoca a cultura do ódio e da discriminação entre os “portugueses de bem” e os outros, que apregoa a perseguição aos mais frágeis e o ataque aos mais pobres como se a atribuição do RSI fosse o descalabro económico do país, seja premiada com o voto de tantos. Tome-se como exemplo o nosso distrito para perguntar quem conhece os candidatos? Que compromissos programáticos assumiram com os eleitores? Que infraestruturas, que prioridades de intervenção, que políticas sociais, têm para o distrito, onde, lastimavelmente, até elegeram um deputado. O Chega é uma espécie de música pimba da política. Acordes simples com insistente refrão de frases vazias que ecoam no ouvido, dirigidas e orquestradas por um populista demagogo de cultivo unipessoal. Assim se criam os ditadores.

Sem depreciação por outros partidos falo agora do meu. O Bloco de Esquerda sofreu uma pesada derrota, inesperada na dimensão e imprevisível na implicação. Tal como é assumido o insucesso eleitoral, também é adotada a garantia de que a ação política será tanto mais combativa quanto necessária, até porque é a democracia que passou a estar em risco. Perdemos palco, mas não espaço de intervenção. Perdemos votos, mas não capacidade de atração. Perdemos meios, mas não causas e motivos de ação. Aceitando os resultados com humildade democrática, mas tendo em atenção o quadro partidário parlamentar (maioria PS, GP do capitalismo selvagem e GP do reacionarismo fascistoide), exige-se-nos multiplicar o empenho na determinação do confronto e ampliar a coragem para enfrentar adversidades mais profundas. Não passarão!

A luta continua como sempre continuará enquanto houver caminho para andar rumo ao que acreditámos e almejamos – um país mais justo, mais igual, mais inclusivo, mais sustentável. Só desiste quem deixa de acreditar e só perde quem deixa de lutar. A digna atitude de reivindicar que o desejo seja realidade, faz do Bloco de Esquerda o foco pela razão e o argumento pela convicção.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda
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